Por André Gabeh
Rio - Minha amiga Coisilda me convidou pra conhecer um "trabalho espiritual diferente".
Segunda-feira, às cinco da tarde em ponto, deveríamos estar prontinhos em uma certa mansão chiquíssima na Barra.
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Perguntei do que se tratava e ela me falou:
- É um babado fortíssimo. Uma coisa chamada Axé Quântico do Culto dos Esquecidos. (Lógico que não estou dando o nome real, porque não quero ser processado ou envuduzado. Mas era quase isso).
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- Que coisa é essa? - perguntei curioso.
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- É bom, André. Vai um monte de artista. Até artista que já morreu frequenta.
- Creindeuspai! Tá amarrado. Por que você está me convidando pra isso? Você sabe que eu rio quando fico nervoso.
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Ela me explicou que suas outras companhias macumbísticas não gostam de nada que fuja ao tradicional, mas eu poderia apreciar por ser algo inusitado.
- Tem buffet de massas e degustação de vinhos selecionados pela pomba gira residente e música ao vivo com um médium que incorpora cantores internacionais. Tem exu astrólogo.
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- Mulher, tô até bambo. Deus castiga. Como isso existe e ainda não virou notícia?
- Ainda vai ter cerveja artesanal feita por caboclos cervejeiros.
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- Isso é muita marmota. Quero.
- Também acho. Tô horrorizada. E tudo de graça.
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- Vamos!
Fomos de BRT até CURICICA e de lá pegamos um táxi pra não passarmos por pobríssimos ao chegar. A mansão imensa estava cheia de gente rebolativa num transe esotérico meio Olodum meio dança indígena. Nos receberam com pulinhos coreografados e gritos de SARAVÁ NAMASTÊ. Tive um pico de ansiedade e comecei a suar que nem vaca parindo. Um dos rapazes girantes, todo de branco, se aproximou e pediu pra gente pular e gritar junto, porque assim os orixás sorririam pra nós. Aleguei chikungunya e disse que só pulava fugindo dos ratos da Praça da UPA de Campinho quando ia pegar medicação. Tenho princípios!
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No salão, um homem parecido com o Décio Piccinini tocava e cantava uma versão umbanda de Fly Me To The Moon: "Salve pai Ogum! Salve Caboclo Tupinambá. Axé pra Oxum e fé na Índia Juremá" (cantem no ritmo da música e sintam meu drama).
Petrifiquei.
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Um dos presentes me explicou que era Frank Sinatra da Cachoeira incorporado no médium.
Gente… Chorri: chorei e ri.
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Frank desencorporou e, em seu lugar, entrou Clara Nunes cantando uma música que Tim Maia ensinou pra ela em "Nosso Lar". Assim que ela terminou a canção, foi embora e foi substituída por John Lennon. Todos tinham a mesma voz e jeito de cantar. Achei prático.
Descobrimos que a reunião era um "espaço" pra entidades modernas e praquelas rejeitadas em terreiros tradicionais por serem muito diferentes ou polêmicas.
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Ficamos curiosos sobre essas entidades e nos explicaram que hoje seria o dia dos marginalizados e dos interplanetários.
Soltei outro Creindeuspai e me urinei um pouco, tenho pavor de E.T.s, óvnis e afins, mas nossa explicadora se iluminou em um sorriso e explicou: "São lindos e poderosos, você ficaria surpreso em saber que Ghandi e Marilyn Monroe são E.T.s. Dercy Gonçalves também".
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Dercy eu já imaginava.
Coisilda se arvorou:
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-Tenho anos de macumba e, no subúrbio, essas entidades não aparecem. Acho que não sabem pegar BRT na Alvorada.
O ápice da noite foi quando uma moça que me disseram que era atriz de Malhação, foi pro centro do salão incorporar, e os frequentadores começaram a cantar acompanhados pelo piano do médium que agora estava encavalado de Tom Jobim:
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"Ela é mais forte que muito ômi
Se encontra luta, não foge não!
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Qualquer covarde, teme o seu nome,
Ela é, ela é, A POMBA GIRA SAPATÃO"
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Longe de mim ter lgbtfobia espírita, até gosto, mas fiquei surpreso. Prendi o riso com tanta força que fiquei tonto.
Coisilda não sabia o que fazer, mas quando a zeladora do terreiro Disney veio lhe perguntar o que estava acontecendo, ela respondeu que eu tenho muita sensibilidade e que fiquei zureteado com a energia do lugar. Ganhei uma aplicação coletiva de Reiki do Alto Xingu.
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Saímos de fininho.
Pegamos o BRT em avançado estado de "CREDO, QUE DELÍCIA" e só rimos dois dias depois.