Este jornal trouxe na capa da edição de segunda-feira passada, dia 10 de outubro, uma pergunta que soou incômoda para alguns nomes de destaque na política brasileira. Sob as fotografias do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB), do ex-ministro e senador José Serra (PSDB), do candidato a vice-presidente na chapa do PT Geraldo Alckmin (PSB) e dos ex-candidatos a presidente da República Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), o jornal indagava: “Por que esses políticos viraram casacas?”.
O jornal recordava, ainda, as críticas ferinas feitas por esses políticos a Luiz Inácio Lula da Silva ao longo desta e de outras campanhas eleitorais. Em seguida, estranhava a facilidade com que, depois de dizer tudo o que disseram sobre o ex-presidente, se uniram à caminhada que pode reconduzir Lula ao poder. Embora não tenha feito qualquer crítica ao candidato vitorioso no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, o jornal foi duramente reprovado por publicar com destaque uma reportagem supostamente favorável à candidatura do presidente Jair Bolsonaro (PL) — que, no próximo dia 30, decidirá com o petista quem governará o Brasil pelos próximos quatro anos.
Foram críticas fortes, com acusações pesadas sobre a linha do jornal que, em razão dessa reportagem, foi tratado como “linha auxiliar” da campanha do PL. Muito diferente, sem dúvida, da posição que algumas das mesmas pessoas que agora o colocaram sob suspeição de parcialidade manifestaram em relação a’O Dia no dia 8 de setembro deste ano. Naquele edição, e em plena campanha eleitoral, o jornal trouxe a cobertura das manifestações bolsonaristas do dia 7 de setembro. A manchete, também em forma de pergunta, dizia: “Comemoração de 200 anos de Independência ou ato de campanha?”
O jornal, àquela altura, foi elogiado por haver unido sua voz à de outros grandes meios de comunicação brasileiros, que chamaram de “antidemocráticos” os militantes vestidos de amarelo que transformaram os atos oficiais de comemoração da mais importante data cívica do país numa extensão da campanha pela reeleição de Bolsonaro. As pessoas que agora criticam o jornal não viram nada de errado com aquela cobertura nem disseram que o tom crítico utilizado para se referir à postura do presidente e de seus adeptos poderia, talvez, gerar algum benefício eleitoral para o candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
INDEPENDÊNCIA POLÍTICA
O Dia é, por opção e com orgulho, um jornal popular. Como tal, sempre procurará dar às manchetes que publica o tratamento mais vibrante e chamativo possível — embora jamais afastado da verdade. É assim que o jornal tem agido ao longo de seus 70 anos de história — e não haveria razão para adotar outro estilo justamente agora, num momento em que o país luta para consolidar o direito, conquistado a duras penas, de expor suas ideias sem medo de patrulhamento de qualquer natureza.
O mesmo raciocínio se aplica ao Meia Hora, que pertence à mesma empresa que edita O Dia. De caráter assumidamente sensacionalista, o “Meia”, como é carinhosamente chamado na redação, sempre procura dar a suas capas um tom picaresco e irreverente. Isso, no entanto, jamais pode ser usado como desculpa para comprometer o sentido informativo de seu conteúdo!
Seguir essa linha editorial que tem garantido o sucesso das duas publicações só é possível porque a empresa que os edita preza por sua independência em relação aos interesses políticos desse ou daquele grupo. É justamente essa postura que confere a esses jornais a segurança que lhes permite contrariar interesses dos atuais governantes, assim como contrariou os dos que vieram antes e contrariará os dos que aspiram tomar o seu lugar.
Contrariar interesses, no entanto, não significa mover contra os governantes uma campanha sistemática e disposta a ignorar qualquer acerto que tenham cometido. Nesse sentido, e no que diz respeito ao governo Bolsonaro, o jornal tem mantido uma postura que contrasta com a de outros veículos do país. O atual presidente nunca foi poupado por nós das críticas justas sobre erros que de fato cometeu. Por duas vezes ele se sentiu pessoalmente atingido pelo jornal e recorreu à Justiça para buscar algum tipo de retratação. Em ambas o jornal se saiu vencedor.
Por outro lado, no entanto, ele nunca sofreu da parte deste jornal qualquer acusação em razão de seu estilo pessoal ou dos conceitos que defende. Contrário a todo e qualquer tipo de fake news, o jornal também se recusa a dar eco às mentiras que, depois de repetidas mil vezes, acabam se tornando verdades —como tantas vezes tem sido visto nesta campanha eleitoral.
Nossos leitores mais atentos são as melhores testemunhas do que estamos dizendo. Bolsonaro e seu governo foram duramente criticados, por exemplo, na edição do dia 23 de março do ano passado — quando o país atingiu a marca dolorosa de 300 mil mortos pela Covid-19. O jornal, naquela oportunidade, não se furtou a apontar o dedo na direção do presidente da República e de seu governo. E os considerou culpados pela perda de milhares e milhares de vidas que poderiam ter sido salvas caso o governo tivesse se movido a tempo e tomado as providências capazes de apressar o acesso dos brasileiros às vacinas salvadoras.
A crítica ao presidente a à sua postura negacionista em relação aos riscos da pandemia foi reafirmada na edição do dia 20 de junho, quando o Brasil chorou a perda de 500 mil mães, pais, filhas, filhos, esposas, maridos, amigas, amigos e parentes vítimas da Covid-19. Nesses e em dezenas de outros momentos, o jornal nunca parou para se perguntar se a crítica a Bolsonaro beneficiaria Lula ou a qualquer outro postulante à presidência da República. A intenção sempre foi, uma vez identificado o fato relevante e avaliado seu peso jornalístico, dar a ele o tratamento editorial mais adequado à linha da publicação. E essa linha, com toda certeza, inclui não dourar a pílula. Inclui, também, chamar os atos, os fatos e as situações pelos nomes que têm.

PARTIDOS DEMAIS
Voltando à manchete da edição do dia 10 de outubro, convém observar que as críticas feitas pelo jornal aos políticos que passaram a apoiar Lula depois de criticá-lo com virulência em oportunidades anteriores são perfeitamente coerentes com a linha do jornal, que é a mesma adota por essa coluna desde que começou a ser publicada, no dia 15 de março de 2020. Mais de uma vez, ao longo desses dois anos e meio de publicação ininterrupta, esta coluna defendeu as vantagens de uma política feita de baixo para cima — em que os governantes se guiassem pelos interesses do povo. E não de cima para baixo, como se tornou praxe no Brasil.
Somos, e já deixamos isso claro muitas vezes, defensores do processo eleitoral brasileiro e confiamos no sistema de coleta e contagem de votos adotado e aperfeiçoado no Brasil há mais de duas décadas. Isso ficou claro, por exemplo, na edição do dia 31 de julho deste ano — que analisou as críticas sistemáticas de Bolsonaro e seus apoiadores à segurança das urnas eletrônicas. A conclusão foi que, mesmo dizendo que não existe um sistema de votação 100% à prova de erros, as críticas não tinham o menor cabimento.
Na mesma medida, somos — e sempre fizemos questão de dizer isso com clareza —críticos ferremos da legislação partidária brasileira. Permissiva em excesso, a lei é capaz de gerar legendas de aluguel, desprovidas de qualquer causa, ideologia ou interesse social que justifiquem sua existência. Na nossa forma de ver a política, existe uma quantidade excessiva de partidos no Brasil — e essa profusão de siglas pode até ser boa para os políticos, mas é péssima para a sociedade.
Em 2018, nada menos do que 30 partidos políticos elegeram representantes para a Câmara dos Deputados. Com as trocas de legendas, as fusões e as federações partidárias permitidas por lei, o número de legendas caiu para 23. A partir de 2023, depois dos resultados das urnas, haverá 19 partidos com representação na Câmara. Mesmo com a redução de 11 siglas no espectro partidário, a realidade continua a mesma: o número continua exagerado e o critério para a formação de partidos precisa ser revisto.

“PIOR FORMA DE GOVERNO”
Somos, portanto, defensores de uma legislação partidária mais rígida, para que os políticos não tenham tanta desenvoltura para saltar de um partido para outro sem precisar dar satisfação aos eleitores que acreditaram em suas propostas e lhes deram os votos baseados nas promessas que ouviram durante as campanhas eleitorais. Em mais de um momento defendemos que os políticos deveriam assumir um compromisso mais firme com os partidos que lhes deram legenda.
Os partidos, por sua vez, não deveriam, como acontece com muitos deles, funcionar apenas como agências recebedoras do dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. Nem limitar seu papel institucional a dar números e providenciar o registro de candidatos interessados em disputar eleições.
O estranho seria, para um jornal que defende a coerência na política, se calar diante das atitudes de pessoas que, no primeiro turno, usaram como argumento para atrair votos dos eleitores justamente as críticas a Lula ou a Bolsonaro. Mais estranho ainda seria aplaudir a atitude dos que, ao anunciar seu apoio a um dos nomes que permanecem na disputa, parecem pedir que o eleito esqueça tudo o que diziam dias atrás.
Os políticos brasileiros — e isso vale para Lula, para Bolsonaro, para Simone Tebet, para Ciro Gomes, para Geraldo Alckmin ou para qualquer outro — precisam entender que o voto, mesmo quando confiado a eles, continua pertencendo ao eleitor. Imaginar que todos os 4,9 milhões de eleitores que votaram em Tebet no primeiro turno ficarão com Lula só porque ela decidiu segui-lo é desconhecer os critérios que levam o eleitor a decidir seu voto. O mesmo vale para o 3,6 milhões de eleitores de Ciro.
Em outras palavras, acreditar nessa possibilidade seria tão ingênuo quanto imaginar, por exemplo, que os quase dois milhões de pessoas que votaram no ex-juiz Sérgio Moro, eleito senador pelo Paraná, ficarão com Bolsonaro só porque ele anunciou que seguirá esse caminho. Em política, não existe transferência automática de votos.
Por mais pressão que sofra e por mais que essa pressão faça com que ele tenha vergonha de declarar seu voto, o eleitor é livre para escolher. E não há melhor momento para exercer essa liberdade do que no instante em que ele se vê sozinho, diante da urna eletrônica. Ali, ele digita o número que desejar — com base em seus valores, em seus interesses e no juízo que formou sobre o candidato ao longo não só desta campanha, mas de toda sua trajetória política. É esse direito, exercido com liberdade e sustentado pela verdade dos fatos — e não das conveniências dos candidatos — que faz da democracia, conforme a definição do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill “a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”.