Nuno25setARTE KIKO

Como esta coluna já apontou em outras oportunidades — e a despeito das posições que os colocam em campos opostos da política —, é possível afirmar que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm demonstrado uma semelhança que, às vezes, passa despercebida dos militantes que se enfrentam por causa deles de Norte a Sul do Brasil. Ninguém está querendo traçar, aqui, qualquer comparação entre o estilo pessoal de um e do outro. Da mesma forma, ninguém pretende negar que as escolhas políticas de um estão para as do outro como a água está para o azeite: não se misturam em hipótese alguma. A semelhança é a seguinte: cada um a seu estilo, os dois fazem mais promessas do que cabem no orçamento da União.
Outras semelhanças vêm se manifestando nesta corrida — ao final da qual Bolsonaro tentará se manter no posto e Lula, retornar ao Palácio do Planalto no próximo dia 1º de janeiro. Nenhum dos dois apresentou um plano consistente para a economia. Nenhum falou em promover as reformas de que o país necessita para sair da crise que o persegue há quase uma década — ou, se falou, não explicou o caminho que pretende seguir para alcançar essa meta.
Nenhum falou em reduzir o tamanho da máquina estatal. Nenhum demonstrou preocupação com as despesas de custeio que, hoje, consomem mais de 90% das receitas federais e deixam o Estado sem recursos para investir em programas sociais consistentes e de longo prazo. Sem essas e outras medidas mais duras, e isso é consenso entre os economistas, o país continuará patinando nos próximos anos e não encontrará o crescimento de que necessita para sair de uma crise que já se prolonga por quase dez anos.

AUMENTO DOS GASTOS
Antes de seguir em frente, é conveniente fazer um esclarecimento. Tanto Lula quanto Bolsonaro falam, sim, em promover o crescimento e até apontam as consequências da recuperação da economia — que são a geração de empregos e o aumento da arrecadação, que liberará recursos para investimento em políticas públicas de inclusão social. O problema é que tudo o que eles anunciam como as prioridades de seus governos são medidas dispendiosas, cujo resultado costuma ser exatamente o oposto.
O que mais se ouve tanto na campanha de um quanto na do outro é a promessa de medidas que, no final das contas, se traduzirão no aumento dos gastos que deveriam ser cortados para que o Estado passe a funcionar melhor. Tudo o que fazem é prometer benefícios sem que nenhum deles se dê ao trabalho de explicar de onde sairá o dinheiro para financiar os compromissos assumidos com o eleitor. E, contrariando os especialistas em administração pública que recomendam uma máquina estatal mais enxuta e eficiente, os dois parecem enxergar na promessa da criação de novos ministérios a solução para todos os problemas que terão pela frente.
O Bolsonaro austero, que venceu as eleições de 2018 com a promessa de governar com 15 ministérios, não existe mais. Ao longo de seu primeiro mandato, o número de pastas já tinha sido aumentado para 18. Somadas às duas secretarias e aos três órgãos equivalentes a ministérios, isso dá uma estrutura com 23 postos de primeiro escalão. Agora, o presidente fala em criar mais quatro ministérios — para atender os interesses específicos de setores que pretende atrair para sua base de apoio.

POVOS ORIGINÁRIOS
Lula, por sua vez, jamais escondeu seu gosto por governos inchados. Meses atrás, ele disse que, se eleito, montaria um governo com uma estrutura ministerial idêntica à que havia em 2010, quando ele encerrou seu segundo mandato. Àquela altura, havia nada menos do que 37 pastos com status ministerial em Brasília. Pelas promessas que vem fazendo, o número de pastas num eventual novo mandato deverá ser será ainda maior.
O candidato do PT já anunciou, por exemplo, a intenção de desmembrar todas as secretarias que Bolsonaro unificou sob o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Esse ministério, como se sabe, nasceu da unificação de quatro secretarias com status ministerial (a dos Direitos Humanos, a da Mulher, a da Igualdade Racial e a da Juventude) que havia nos governos do PT. Além delas, o ex-presidente prometeu criar o Ministério dos Povos Originários — destinado a tratar dos temas relacionados com os povos indígenas.
Assim como Bolsonaro, Lula fala em recriar os ministérios da Pesca e da Indústria e Comércio. Além disso, quer desmembrar as pastas do Trabalho e da Previdência e adotar uma série de medidas que, no final das contas, se traduzirão numa máquina pública mais pesada e onerosa do que a atual. Se será mais eficiente ou não é uma outra história.

QUALIFICAÇÃO ESPECÍFICA
Ninguém aqui está pondo em dúvida a importância dos grupos sociais nem dos setores econômicos aos quais o novo governo brasileiro (seja de Lula ou de Bolsonaro) pretende contemplar com um ministério para chamar de seu. É bom deixar claro que todas essas áreas são importantes e merecem, sim, ser tratadas como prioritárias por qualquer político que ocupe um cargo público no Brasil.
As perguntas a serem feitas são de outra natureza. Uma delas é: será que, para colocar a máquina para funcionar como deve e cumprir as obrigações do governo no atendimento dos interesses de qualquer cidadão brasileiro que necessite do serviço público é necessário existir um ministério específico para cuidar do assunto?
A resposta a essa questão precisa ser muito bem pensada. Pelo critério normalmente utilizado para o preenchimento dos cargos na Esplanada, a impressão que se tem é a de a qualidade do serviço a ser prestado é a última preocupação levada em conta na hora de se preencher uma vaga de ministro. Veja, por exemplo, o caso do Ministério da Pesca, criado no governo do ex-presidente Lula e que existiu até a saída de Dilma Rousseff da presidência.
Entre os sete nomes que responderam pela pasta em seus seis anos de existência estão, por exemplo, os da ex-senadora Ideli Salvatti (PT-SC), do atual governador do Pará Helder Barbalho (MDB-PA) e do ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella. Com todo respeito que todos eles merecem, é possível dizer que nenhum jamais teve qualquer qualificação específica que justificasse sua presença no comando da pasta.
A impressão que fica, a despeito dos argumentos técnicos sempre mencionados em defesa a existência de cada uma dessas pastas é que a profusão de ministérios defendida por Lula e que também passou a ser defendida por Bolsonaro se destina única e exclusivamente a acomodar interesses políticos e para dar sossego ao governante em seu relacionamento com o Congresso. Ministério é moeda de troca na política do toma-lá-dá-cá que vigora no Brasil e quanto mais vagas houver, mais mercadorias há para ser trocada. Essa seria apenas uma consequência inevitável do “presidencialismo de coalisão” que existe no Brasil desde a redemocratização. O Brasil ganharia muito mais se os governantes tivessem mais preocupação com a qualidade do que com a quantidade de ministros.

A TORTO E A DIREITO
Alguém pode dizer que promessas como essas fazem parte do jogo eleitoral. Durante a disputa pelo voto, todo político, em qualquer lugar do mundo, faz promessas sabendo que o mais importante não é cumpri-las, mas seduzir o eleitor. Outros poderão argumentar, ainda (como, aliás, foi feito neste espaço no domingo passado) que o cumprimento de promessas eleitorais não depende apenas da vontade do Executivo e que o Congresso é que tem o poder real de definir onde será gasto do dinheiro público.
Tudo isso é verdade. Também é verdade, porém, que o contribuinte brasileiro está cada vez mais cansado desse tipo de situação e que o preço que se paga pelas campanhas eleitorais descoladas da realidade que parecem ter se tornado uma marca registrada da política brasileira é a descrença do eleitor.
Enquanto esse jogo se desenrola durante o horário eleitoral gratuito nas telas da TV, a realidade insiste em apresentar dados que mostram ao cidadão que a situação não está fácil e que, para resolver a situação, será preciso mais do que aumentar o número de ministérios na Esplanada, em Brasília. Se as medidas corretas não forem adotadas, o país não entrará no ritmo do crescimento sustentável no próximo governo. Por mais que a economia venha apresentando sinais evidentes de reação e por mais que a curva do emprego esteja ascendente, como está, há muito a ser feito para se criar um ambiente saudável, que atraia investidores na quantidade que o país necessita. Era isso que deveria estar sendo discutido na campanha.
Na semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) manteve a Selic, que é a taxa básica de jutos da economia, em 13,75%. Descontada a inflação, isso significa juros reais de 8% ao ano. Nenhuma economia do mundo consegue crescer com uma taxa de juros como essa. De acordo com o Banco Central, a taxa continuará nesse nível enquanto a inflação não apresentar sinais consistentes de queda. E, para a inflação cair, o primeiro passo é segurar, e não aumentar gastos a torto e a direito.