Carro em que estava Emily, Uesley e Maria Auxiliadora foi atingido por 12 tiros de fuzil e pistola na Rua Cardoso de Castro, em Anchieta - Rafael Nascimento
Carro em que estava Emily, Uesley e Maria Auxiliadora foi atingido por 12 tiros de fuzil e pistola na Rua Cardoso de Castro, em AnchietaRafael Nascimento
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Rio - Um dia depois da data em que deveria ser iniciado o Plano Integrado de Segurança Rio 2018, duas crianças foram mortas por tiros em diferentes bairros da cidade. Emily Sofia, de apenas 3 anos, seguia de carro com os pais, quando bandidos, na madrugada de ontem, atiraram no veículo da família em Anchieta, na Zona Norte. A cerca de 20 quilômetros dali, por volta das 15h, Jeremias Moraes, de 13 anos, foi atingido por uma bala durante tiroteio entre policiais e bandidos na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré.

O carro em que estava a pequena Emily foi atingido por 12 tiros de fuzil e pistola na Rua Cardoso de Castro, quando os pais da criança, o ex-militar Uesley Neves Lima, de 36 anos, e a dona de casa Maria Auxiliadora Silva Marriel, de 21, saíam de uma lanchonete com ela, às 2h30. Os dois ficaram feridos.

Na Linha Vermelha, motoristas saíram dos carros com o tiroteio - DIVULGAÇÃO

Segundo as investigações, os bandidos seriam do Complexo da Pedreira e tinham acabado de explodir uma agência do Santander na Avenida Getúlio de Moura, em Nilópolis. Ao fugirem, sem conseguir levar o dinheiro, o veículo Tucson em que estavam teve o pneu furado e os bandidos tentaram assaltar o carro da família. Em depoimento à Delegacia de Homicídio (DH) da Capital, a mãe da menina contou que estavam com o vidro escuro fechado e o som alto e, portanto, não teriam escutado a abordagem dos criminosos. Segundo Maria Auxiliadora, eles só notaram o que estava acontecendo quando o carro foi alvejado.

Socorrida por funcionários de um posto de gasolina e da lanchonete, Emily, que levou um tiro, foi levada à UPA de Ricardo de Albuquerque mas não resistiu. Uesley foi baleado nas costas e operado no Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, e seu estado era estável. A mãe da menina foi atingida por um tiro de raspão nas costas. No hospital, no entanto, ao saber da morte da filha, a mulher se desesperou e deixou a unidade sem ter alta, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.

No caso do menino Jeremias, o delegado Rivaldo Barbosa, diretor da DH, explicou que informações iniciais dão conta de que houve troca de tiros entre traficantes e PMs e que o adolescente passava pela Rua Larga, na Nova Holanda, quando foi atingido. Segundo ele, os pais do menino estavam muito abalados e só serão ouvidos após o enterro.

O secretário de Segurança, Roberto Sá, informou, ao RJ TV, que um blindado da PM tinha ido à comunidade checar denúncia registrada no 190 de que quatro homens, possivelmente policiais, haviam sido sequestrados por traficantes. Ainda segundo Sá, quando os PMs entraram na comunidade foram recebidos a tiros e, então, souberam que o menino havia sido atingido. Os supostos sequestrados não foram encontrados.

A pequena Emily Sofia com os pais Uesley Neves e Maria Auxiliadora - REPRODUÇÃO FACEBOOK

Menino sonhava em ser pastor

"Ele falava que queria subir ao monte e ficar pertinho de Jesus. Agora ele está pertinho de Jesus. Meu Deus, que dor. Que vocês nunca sintam o que estou sentindo". O lamento choroso, da auxiliar de serviços gerais Vânia Moraes, 39, criada na Nova Holanda, relembra o último pedido feito por seu segundo filho mais novo, Jeremias: passar um dia orando no monte no fim de semana.

Segundo vizinhos, Jeremias tinha acabado de voltar do futebol, uma de suas atividades prediletas, quando foi alvejado no peito. Nesse momento, a mãe enterrava um amigo que estava doente. Moradores afirmam que o tiro partiu de policiais.

"Saiu um blindado da PM de dentro do batalhão (22º BPM). Foi quando teve um confronto com as pessoas lá e o caveirão alvejou essa criança. Era tanto tiro que eu tive que correr. Quando eu voltei, o blindado já tinha pegado ele e levado para o batalhão. Não fui só eu que vi que a bala partiu do blindado", relatou o presidente da Associação de Moradores da Favela Nova Holanda, Gilmar Rodrigues Gomes. Ele não soube dizer se o tiro foi direcionado ou bala perdida.

A participação cativa na Assembleia de Deus Ministério Leblon, que tem congregação na Favela Nova Holanda, é a característica mais ressaltada por parentes e vizinhos. Lá, o garoto de nome bíblico gostava de fazer discursos religiosos, participava de cultos e de aulas de estudo litúrgico quase que diariamente nos últimos dois anos. Eloquente e com fala madura, Jeremias tinha acabado de se formar no Ensino Fundamental, no Ciep Hélio Smidt, estudava bateria e piano e queria ser missionário. "Estamos muito tristes e revoltados. Era o melhor aluno que tínhamos no estudo da palavra de Deus. Um jovem cheio de alegria", disse o diácono Getúlio Cardoso.

É na casa de apenas dois cômodos e com teto infiltrado que Vânia Moraes vai chorar a saudade com seus outros quatro filhos.

Cidade em estágio de atenção por 3h
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Por conta do intenso tiroteio na região do Complexo da Maré, a cidade do Rio ficou em estágio de atenção das 16h às 18h. A Linha Vermelha foi interditada, no sentido Centro, na altura da comunidade, por medidas de segurança. Motoristas, com medo, desceram dos carros e tentaram se esconder dos disparos. A Linha Amarela, no sentido Fundão, ficou fechada na altura da Avenida Brasil, que também foi bloqueada ao trânsito no entorno da Vila do João por cerca de 40 minutos. Na pista central, objetos foram queimados.
Com o fechamento das vias, o engarrafamento na região chegou a quase 100 km. No primeiro dia do ano letivo, 40 unidades escolares da Maré ficaram sem aulas.
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Homem é morto na Maré
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"Além da tiroteio na Nova Holanda, onde Jeremias Moraes foi atingido, outras comunidades do Complexo da Maré registraram fortes confrontos ontem. A PM informou que policiais do Bope, Choque e Batalhão de Ações com Cães realizaram operação nas comunidades Timbau e Conjunto Esperança desde a manhã de ontem. Matheus Fernandes Ribeiro, de 20 anos, morreu no Hospital de Bonsucesso após ser baleado na Vila do João, também parte da Maré. Segundo a Polícia Civil, ele tinha um mandado de prisão pendente. Moradores relataram nas redes sociais intensos tiroteios por todo o dia.
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