Muitas pessoas passeiam pelo Centro de Campos mesmo com as medidas de isolamento social - Jean Barreto
Muitas pessoas passeiam pelo Centro de Campos mesmo com as medidas de isolamento socialJean Barreto
Por Leonardo Maia
Campos — O isolamento social contra o coronavírus em Campos é apenas uma ideia, um conceito, realidade virtual. A orientação de um médico que a gente escolhe não seguir, mesmo sabendo das graves consequências para a saúde. Os decretos que determinam o fechamento do comércio, das escolas, dos serviços estão em vigor, mas os campistas decidiram por si que chega desse negócio de ficar em casa. Nos últimos dias, a tendência do relaxamento da quarentena estava escancarada nas ruas da cidade. O Centro e a Pelinca, região do comércio mais nobre, estavam com grande movimentação nesses dias que antecederam o domingo de Dia das Mães. Não fossem as máscaras — que a maioria parece ter adotado de fato — ninguém diria que o mundo passa por uma pandemia mortal.
“Em uma semana, os números (de casos confirmados da covid-19) mais do que dobraram. Isso reforça a necessidade e a importância da conscientização sobre o isolamento social”, diz o prefeito Rafael Diniz, quase num apelo. “Apesar de os números de Campos estarem abaixo das médias nacional e estadual, eles vêm crescendo consideravelmente nos últimos dias”.
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De fato. Desde a semana passada, nos boletins diários divulgados pela Vigilância em Saúde, o total de contaminados pelo coronavírus salta às dezenas. No sábado, foram mais 10 confirmações, com uma morte. No total, são 177 infectados, e 9 mortos pela infecção.
Umas das explicações para o descompromisso das pessoas com o distanciamento adequado pode ser a percepção de que ele não tem funcionado. Na realidade, foi ele que evitou o pior em Campos. Assim que ficou claro a inevitabilidade da chegada do coronavírus ao município, a prefeitura fechou comércio, shoppings, escolas, igrejas, e correu para construir um Centro de Combate ao Coronavírus (CCC), para atender os casos que viriam. Como resultado, a cidade retardou bem a subida da curva. Na comparação com vizinhos bem menos populosos, como Macaé, Campos ainda apresenta números inferiores.
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O Centro de Campos tinha movimentação de um sábado normal, mesmo com as medidas de isolamento em efeito durante a pandemia do coronavírus - Jean Barreto
“A quarentena foi fundamental para dar tempo de nos prepararmos”, atesta Felipe Quintanilha, secretário de Desenvolvimento Econômico de Campos. “Ela foi eficaz. Seguramos a curva, mas infelizmente as pessoas não a respeitaram num patamar que nos permitisse frear a pandemia”.
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A outra razão é o descompasso na tomada de decisões das várias esferas de governo. Governadores e prefeitos adotam maior ou menor rigor nas restrições de circulação, sem critério unificado aparente, reflexo da falta de liderança do governo federal, e das falas do presidente Jair Bolsonaro, que sabotam sistematicamente o esforço de contenção do vírus letal.
Quintanilha é afirmativo: “Eu tenho formação legal, e nunca vi na minha vida crime de responsabilidade maior do que o cometido pelo presidente Bolsonaro. O exemplo vem de cima. Não tem jeito”.
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As autoridades campistas medem diariamente, desde 13 de abril, o nível de adesão ao isolamento por meio das antenas de celulares. A maior marca foi verificada no dia 3 (um domingo), 50,3% das pessoas não se movimentaram. A menor, no dia 30 (uma quinta), 39,2%. Na média, Campos tem oscilado entre 40 e 45% de respeito à convocação para ficar em casa. O que não é suficiente para reduzir a taxa de transmissão do vírus ao famoso R1, ou inferior a isso.
O secretário de Segurança Pública de Campos, Darcileu Amaral, notifica o dono de uma lanchonete aberta irregularmente neste sábado, no Centro - Jean Barreto
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“Se considerarmos todas as pessoas que teriam de continuar trabalhando e se descolando, como profissionais de segurança e da saúde, a meta seria de 60% a 65% da população isolada. Infelizmente nunca chegamos a isso”, lamenta Darcileu Amaral, secretário municipal de Segurança Pública.
A solução, então, diante da falta de compromisso de muitos com o esforço de tantos outros, seria o “lockdown”, o trancamento geral da cidade, como tem sido adotado ou proposto em algumas cidades e estados?
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“O lockdown não está no nosso horizonte, no momento”, garante Quintanilha. “Mas se as pessoas não respeitarem os decretos em vigor, vamos caminhar para isso inevitavelmente”.
Na contramão, porém, justo quando a curva de contágio do coronavírus começa a subir com agressividade, cresce a pressão pelo relaxamento do fechamento do comércio, as escolas cobram do poder municipal um calendário para a reabertura. De acordo com Quintanilha, porém, a tendência é de acirramento de algumas medidas.
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“Vamos restringir algumas concessões que fizemos, como o ‘takeaway’, em que a loja pode funcionar de portas fechadas, e tem permissão apenas para entregar determinado produto ao cliente que o comprou por telefone ou online”, explica o secretário.
Uma volta pelo Centro na sexta e no sábado era o suficiente para confirmar o desrespeito a determinadas regras. Lojas trabalhavam com as portas semiabertas e atendiam seus clientes, algumas permitindo até sua entrada. O que levava a pequenas concentrações de pessoas, além de servir de estímulo para que continuem a ir para a rua.
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“Alguns comerciantes estão se aproveitando dessa brecha e trabalhando com a porta meio aberta. Não pode. Vamos ter que rever isso”, projeta o secretário de Segurança Pública.
Ainda segundo Amaral, as autoridades ficam limitadas para agir contra as pessoas que vão às ruas no meio de uma pandemia. “Não há amparo legal para que a gente proiba alguém de circular pela cidade. Estamos notificando as lojas e conscientizando a população, mas ela precisa fazer a sua parte”.
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Se isso se dá no coração da região metropolitana campista, o cenário é ainda mais preocupante nos bairros e distritos mais afastados, como Parque Aurora, IPS, Pecuária, Goytacazes, Travessão, Morro do Coco, em que a fiscalização fica mais dificultada.
“Recebemos muitas denúncias, e tentamos atender a todas, fazemos rondas diárias por vários desses locais. Quando precisamos, solicitamos a ajuda da polícia militar para ir aos lugares mais distantes”, conta Amaral.
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Uma estudante do subdistrito de Guarus, que não quis se identificar com medo de represálias, contou à reportagem que é comum os vizinhos fazerem churrasco ou reunir parentes e amigos, e que bares e barracas de churrasquinho e lanches continuam abrindo, especialmente aos fins de semana.
Mas não é preciso ir tão longe para verificar o desprezo de alguns com a vida alheia. Um campista do Parque Santo Amaro, bairro central, diz que todos os fins de semana os bares de sua rua estão abertos e ficam cheios de pessoas que, naturalmente, não estão de máscaras, já que é impossível beber com ela. O homem também pediu anonimato.
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Esse relaxamento descuidado deve se refletir em más notícias nas próximas semanas. O CCC, que atende apenas casos de covid-19, já tem 84% dos seus 19 leitos de UTI ocupados. E o hospital de campanha prometido pelo governador Wilson Witzel ainda não entrou em funcionamento, com seguidos adiamentos.
“Por mais que a prefeitura tenha se antecipado, se cada um não fizer a sua parte, a tragédia vai chegar sim, e daqui a pouco não vamos ter leitos de UTI para atender a população”, alerta o prefeito de Campos. “Só há um caminho neste momento: isolamento social. Vamos endurecer as medidas para ampliar a quarentena. É hora de preservar a saúde pública e salvar vidas”.