Vinícius de MoraesDivulgação

Encarnação do Rio que dá gosto de viver, o poeta Vinicius de Moraes atravessou seus quase 70 anos ensinando sobre amores, sobre amigos e sobre um tempo que não corre tanto.
Na Ilha do Governador, onde moravam os pais, perdeu a virgindade. Rosário era o nome da mulher. No livro “Poemas, sonetos e baladas”, relembrou: "E eu que era um menino puro / Não fui perder minha infância / No mangue daquela carne!"
De todos os irmãos, foi o escolhido a ter o investimento familiar. Aos 17, passou na faculdade de Direito. As ideias integralistas da época de adolescente foram mudando, a ponto de se tornarem um estorvo com a idade avançada.
Em 1942, no meio da Segunda Guerra Mundial, com todos já entendendo as agruras do Fascismo e do Nazismo, o poetinha finalmente passou no Itamaraty, a casa da diplomacia.
Nessa nova fase, Vinicius entrou levando quatro livros publicados, um intrínseco relacionamento com o samba e uma queda deliciosa pela boemia. Era um diplomata que cantava. Impensável para os padrões.Tentando se adequar, adotou algumas condições para os shows: vestia terno e não recebia um dinheiro sequer.
Enquanto houve liga, as duas partes se relacionaram bem. Com a chegada do Regime Militar, o caldo virou. Foi exonerado em 1969, sem grandes explicações. O motivo era evidente: perseguição política.
Vinicius já era um sucesso popular. Tinha escrito o nome na História com a criação da Bossa-Nova, em 1958. É de 1962 a retumbante “Garota de Ipanema”, música brasileira mais executada em todo mundo, parceria de Vinicius com o maestro Tom Jobim.
Tom, ou “Tomzinho”, foi apresentado ao Vinicius em meados da década de 1950. Eles se conheceram em uma das mesas do fundo do bar Villarino, no centro do Rio de Janeiro. Vinicius precisava de alguém pra musicar “Orfeu da Conceição”, peça que traz o mito grego para as favelas cariocas.
“Vai rolar um dinheirinho?”, perguntou Tom Jobim no primeiro encontro. Ficaram amigos inseparáveis.
Tal qual um camaleão talentoso, Vinicius atravessou de Bossa-Nova a afrosamba. Com o violinista Baden Powell, escreveu dezenas de letras viajando pela cultura das religiões de matriz africana.
Por falar em religião, impossível não lembrar dos encontros dele com a mãe de santo Mãe Menininha do Gantois, em Salvador. A entidade pedia que todos sentassem no chão, menos Vinicius. Um pequeno banco ficava à disposição. Respeito pela luz do poetinha.
Na Bahia, Vinicius se casou com Gessy, a sétima esposa. Moravam em uma casa com quintal grande. Certa vez, conversando com Toquinho, mostrou a área externa, lotada de bichos. Tinha cachorro, pavão, gato, galinha...Todos vivendo em harmonia. Zero briga. “Aprendo mais com eles do que em todos os meus anos de Itamaraty”, brincou o então cabeludo.

Vinicius fez o Rio transbordar pelo Brasil e pelo mundo. Cantou nossa cidade. Nossa gente. Errou, levantou, viveu um tempo que ele ajudou a construir. Abriu o apartamento para inúmeros eventos, movimentando até quem não tinha nada a ver com isso.
“Vou na casa de um tal de Vinicius de Moraes. Tem whisky de graça”, disse um vizinho de mesa, não reconhecendo o morador ilustre. Época pré-google.
Vinicius de Moraes, que nasceu no dia 19 de outubro de 1913, morreu em 1980. Cedo. Estava com 66 para 67 anos.
Precisamos de mais Vinicius. Precisamos, em especial nessa retomada da cidade e do estado.
É com o espírito leve e talentoso que iremos mais longe. É com afeto e entrega que conseguiremos nos distanciar dos péssimos resultados. É com criatividade que iremos quebrar a burocracia. É com diversão que iremos encantar. É cantando. É despistando a queda. É conquistando.
Precisamos ser Vinicius de Moraes, no plural.