Espetáculo CuraLeo Aversa

Quando o espetáculo “Cura” termina, parte da plateia espera que a diretora Deborah Colker apareça no palco para o ritual clássico de, ao ser ovacionada, sorria, curve o corpo e abaixe a cabeça em um gesto universal de agradecimento. Subvertendo até nisso, Colker estava no mesmo lugar de antes do primeiro sinal: na porta, recebendo o público e olhando nos olhos de jovens, velhos, pobres e ricos que se despencaram até a Cidade das Artes, na Barra da Tijuca.
Cresci ouvindo de minha avó que a mãe libanesa é super protetora, a ponto de ser encarada como leoa. Minha mãe estendia a característica para as matriarcas judias, provavelmente valorizando as amigas. Minha sogra, de família grega, ao ver a filha quase ser furtada na Espanha, deu um chega pra lá na gatuna que mereceu até que pagássemos um sorvete (com três bolas, evidente). Quando se mexe com a mãe, com a avó, o mundo vira. Até um espetáculo-resistência-conscientização surge.
Theo, neto de Deborah, nasceu com uma mutação genética que deixa a pele muito frágil. Cada simples toque pode se tornar um problemão. Feridas são comuns. Não transmite. É raro. O tratamento é paliativo, permitindo que a pessoa tenha melhores condições de vida. O estudo sobre ainda é primário. O preconceito ainda é Neandertal. Um simples Google te deixa rubro de vergonha alheia.
Nas caminhadas por escolas, natural escutar que o “estudante com alguma deficiência é, além de tudo, inteligente”. Por quê além de tudo? É inteligente, oras. Theo é inteligente por demais. Cria. Imagina. Traduz. E é, a partir da observação do menino, que Deborah descortina o show. Aproveitando uma história contada por Theo, “Cura” vem ao mundo. Outra subversão: se na literatura tradicional avós contam fábulas ou vivências, aqui o neto que dá as coordenadas de onde se apoiar.
No catolicismo, há a fé no Santo Sudário, pano que cobriu o corpo de Jesus Cristo. Em “Cura”, um fino pano, tão importante para proteger das feridas, traça parte do espetáculo, tal qual um alinhamento genético. Elementos da cultura Africana estão em jogo. Elementos da cultura judaica estão em jogo. Elementos do dia a dia. Elementos de nós. Da ciência e do sagrado. “Cura” é uma imersão no quanto precisamos nos enxergar, e berrar, e sorrir. A cura pode ser um grito. Ou o grito pode ser a cura.
Com o fechamento da cortina e os aplausos, centenas de espectadores atordoados se levantam das cadeiras. Sem romantismo, percebe-se o ar de “o que acabamos de viver?”. Seguindo os protocolos, a turma vai se encaminhando às diferentes portas de saída. Ali está Deborah, em tempos tão duros de distanciamento e agressões, nos brindando com o afeto. Os olhos da coreógrafa, conhecida por trafegar entre o Cirque du Soleil e a Marquês de Sapucaí, piscam. Saiu um exército de transformados.
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Pé na Estrada
“Cura” vai rodar o Brasil, começando pelo estado de São Paulo.
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Equipe
O cenário é do Gringo Cardia, direção executiva é de João Elias, craque no teatro, na escrita e no audiovisual, e o desenho de luz é de Maneco Quinderé, que nunca escondeu o sonho de trabalhar com Deborah.
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Não dá para não falar...
Da trilha de Carlinhos Brown, absolutamente impactante. A plateia canta. O figurino de Claudia Kopke é intenso. A dramaturgia de Nilton Bonder nos brinda.
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Quer saber mais?
Clique aqui e conheça o trabalho da companhia de Deborah.
Nesse texto, para a revista Piauí, a coreógrafa conta a relação com o neto. 
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Cabaret do Circo Crescer e Viver
Junior Perim e sua trupe não cansam de inovar. Não tem uma pessoa que vá ao espetáculo Cabaret que não saia comentando.
Dia 12 de novembro tem mais um show. O ingresso esgota rápido, por isso a coluna já vai logo avisando.
Clique aqui para saber mais.