Obras no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju, abrem mais duas mil gavetas para sepultamentos na cidade FOTOS Gilvan de Souza

Cemitério, hospital e penitenciária. Se visitarmos esses três lugares com mais frequência, entenderemos como essa camisa incrível que parcelamos em 10 vezes vale pouco, que aquele carro maravilhoso não entra na gaveta ou até mesmo que a discussão acalorada sem nenhum propósito tem o mesmo valor que uma moedinha de 1 centavo. Dia de finados deveria ser o momento de compreendermos a inevitável finitude.
“Amigo, onde está o túmulo do Tim Maia?”, Marcelo perguntou para um funcionário do Cemitério do Caju. Sem titubear e provavelmente acostumado com essa questão, o rapaz apontou para uma área e avisou que conseguiríamos ver a distância. “É enorme”, concluiu. Há duas semanas estivemos no primeiro cemitério da cidade eu e o radialista Marcelo Fernandes, para gravar o Tá na História. O túmulo de um dos artistas mais populares do Brasil é um dos mais visitados no gigantesco complexo. Adianto: não foi fácil encontrar. Segundo: ao chegarmos, não havia uma única flor. Nada. O homem que parava multidões, que merece filmes e séries, estava sem o acompanhamento de um cravinho sequer.
Quando tinha sete anos, um amigo morreu de leucemia. Foi um baque enorme. Filho de uma grande companheira de minha mãe do tempo de escola, Luizinho foi um divisor de águas na minha infância. Esperei passar dos 9 anos para entender que estava bem. O mesmo aconteceu com Felipe, outro querido parceiro, atropelado aos 15 anos depois de perder a direção da bicicleta. Até hoje tenho receios com esse meio de transporte.
Na época que era funcionário do Canal Futura, escrevi uma sequência de reportagens sobre as pessoas que estavam lúcidas, hospitalizadas e sem perspectivas de melhoras. Deixando um pouquinho de lado a fé, que também me aconselha, gostaria de registrar os saberes dos doentes que compreendiam a presença da morte logo na esquina. Não rolou, mas aprendi muito mais sobre “o que deixei de fazer” a “lembro do dia que comprei tal coisa”.
Papo de três ou quatro anos atrás. Na velha caixa de fotografias, recuperei uma da terceira série. Especificamente da festa junina. Estávamos eu, Breno e Carlos Eduardo, um apaixonado por tartarugas-ninja. Perdi o contato com a maioria dos meus colegas desse tempo. Alguns ainda tenho nas redes sociais. Quis saber como estavam Breno e Carlos Eduardo, protagonistas do registro. Minutos se passaram desde que expus publicamente minha dúvida no Facebook. Recebi uma mensagem privada contando que Carlos Eduardo tinha sofrido um acidente no começo da São Clemente e tinha falecido. Fiquei pasmo. Ainda com a foto em mãos, fui ao Google.
Perdido no Caju, um pensamento óbvio voltou a mostrar as cartas: dentro de cada sepultura há uma história. Uma história com sonhos, com dores, com felicidades, com família, com conquistas, com perdas. Uma história que pode ter sido contada em best-seller ou em uma lembrança deixada para o neto ou a filha. Na imensidão da linearidade, no fundo, no fundo, somos iguais.
Como surgiu o Dia dos Finados?
O dia nasce oficialmente no catolicismo em 998, mas é claro que antes já existiam celebrações, ritos funerários e homenagens. Mas vamos para 998. Odon de Cluny, hoje considerado Santo, era abade na abadia beneditina de Cluny, na França. Ficou muito marcado pela caridade, pelo estudo da religião. Em 998, sob forte influência dele, a Igreja Católica resolveu determinar um dia destinado aos que já partiram.