Cesário Melantonio NetoDivulgação

A guerra na Ucrânia marca um novo momento para o projeto europeu. O presidente Macron insiste no tema da soberania da Europa, segundo a tradição do general de Gaulle. Paris é o advogado de uma Europa forte e independente na sua relação com o Washington. Outros Estados europeus, como a Alemanha, não seguem a mesma cartilha por desconfiança no que concerne as atividades de lideranças francesas.
A nova geopolítica mundial exige de Bruxelas uma nova visão comum e realista das relações internacionais. A invocação insistente da democracia e dos valores europeus segue sendo o mantra de Úrsula Von der Leyen. As sanções europeias contra a Rússia coincidem, entretanto, com a visão norte-americana de enfraquecimento progressivo de Moscou em um clima renovado de Guerra Fria.
A resistência de Macron a uma adesão rápida da Ucrânia à União Europeia se choca com o projeto de Washington de integração imediata de Kiev. A defesa comum europeia se intensificou com a decisão de Berlim de aumentar o orçamento militar para 2% do seu produto interno bruto. A rivalidade sistêmica face à Rússia e à China confirma o projeto da Comissão Europeia de se apresentar como uma reserva moral da humanidade.
A guerra obriga Bruxelas a uma nova reflexão estratégica global e medidas de crise no setor da segurança alimentar com novos acordos comerciais que podem representar uma oportunidade para as exportações brasileiras. A soberania alimentar é uma condição sine qua non do projeto europeu e as consequências agrícolas do conflito afetam o suprimento e abastecimento da União Europeia.
Macron insiste na tônica de que a soberania não é uma fantasia francesa, mas um imperativo da nova realidade global. A França, potência nuclear, é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, primeira potência militar da União Europeia e possui a terceira maior rede diplomática mundial. Nessa condição, defende o trinômio democracia, unidade e soberania como conceitos fundamentais para o sucesso do projeto europeu.
Outra questão essencial se refere à independência energética europeia e a dependência nessa área de Moscou. Para os Estados Unidos, as sanções não representam um risco energético como é o caso dos europeus que relutam em alienar completamente os russos do mercado comunitário.
Uma revisão dessa matriz de combustíveis de forma rápida se afigura difícil e exige tempo das autoridades responsáveis. As monarquias do Golfo resistem em romper a cooperação com a Rússia no quadro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O Irã igualmente não tem interesse em se opor ou confrontar o seu importante parceiro estratégico.
Os Estados Unidos consideram esse momento benéfico para uma tentativa de aumentar as exportações de energia para a Europa. Um projeto de soberania para o continente não se consolida com a troca de uma dependência por outra e esse é o maior desafio estratégico da União Europeia.
Cesário Melantonio Neto