Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay: Crime sem castigo
"Você pode me fuzilar com suas palavras, e me cortar com o seu olhar, você pode me matar com seu ódio, mas assim, como o ar, eu vou me levantar…" Maya Angelou
A vida inteira defendi o uso do Direito Penal com muita parcimônia e que não será através da criminalização de novas condutas que nós avançaremos na pacificação da sociedade. No Brasil, é muito comum, quando ocorre um crime de repercussão midiática, que o Congresso Nacional logo se apresse a aumentar as penas do delito em destaque ou a ampliar os tipos penais. Mas quem lida com isso sabe que não é o tamanho da pena que diminui a criminalidade; a certeza da aplicação do direito é que pode fazer a diferença.
No entanto, é obrigatório que todos nós participemos do dia a dia das graves questões que interessam à sociedade. Até para que possamos estar atentos àquilo que realmente importa para o povo brasileiro. Um ponto absolutamente preocupante toma corpo e assusta: o crescimento da política de ódio que alimenta o fascismo e a seita bolsonarista. O Brasil virou outro país durante o governo Bolsonaro e, especialmente, após o início das eleições. A irracionalidade, a violência e o obscurantismo messiânico nos levaram a um fosso que parece não ter fundo. O grau de agressividade gratuita não suporta nenhuma análise feita com qualquer racionalidade.
Deparamo-nos com notícias falsas cuja origem teratológica parece ocupar um mundo paralelo. Em apenas uma semana, acompanhamos, entre perplexos e escandalizados, uma crescente onda de violência que parece ter cristalizado o movimento bolsonarista de afronta aos direitos e garantias individuais. A vulgaridade e a hostilidade das ofensas verbais viraram uma regra. E os agressores parecem ter verdadeiro prazer, pois não se escondem ao cometerem os crimes, ao contrário, procuram gravar orgulhosos da mediocridade banal. É constrangedor.
Do grande Gilberto Gil, no alto dos seus 80 anos de idade, a uma menina indefesa, que ousou ter uma identificação petista na roupa, todos viraram alvos preferenciais da sanha assassina e criminosa dessa turba desvairada. E eles seguem envoltos em atitudes ridículas com marchas e continências que deveriam cobrir de vergonha, mas que demonstram uma completa falta de capacidade de uma análise crítica.
Na realidade, esse fenômeno de idiotização fez parte de uma estratégia para chegar ao poder em 2018, cresceu durante os quatro anos de mandato do Bolsonaro na Presidência e agora recrudesce como proposta de resistência para tentar voltar nas eleições de 2026. Nada é por acaso. Os líderes bolsonaristas já não se escondem. Enquanto os fantoches robotizados permanecem à frente dos Tiros de Guerra Brasil afora, enfrentando as intempéries do tempo e banheiros químicos, com atitudes grotescas e patéticas, o filho do presidente, que os chamou à resistência, se esbalda na Copa do Catar rindo dos incautos que atenderam ao apelo patriótico. É de dar pena.
Uma reflexão se faz imperiosa nesta hora. Por mais que o Direito Penal deva ser a ultima ratio, não passou da hora de discutir a responsabilidade desses líderes que investiram no ódio e na violência como maneira de fazer política de ocupação e manutenção do poder? Enquanto eram apenas demonstrações de insanidade e vulgaridade, poderíamos aceitá-las como dentro dos limites da convivência democrática dos pensamentos contrários.
Mas, agora, o cidadão tem que se acostumar a ser agredido, física e verbalmente, por esse bando de vândalos sem a proteção estatal? Ao invés do nosso direito de não sermos admoestados, eles passam a ter o direito de ofender, ameaçar, humilhar e, muitas vezes, chegar às vias de fato? Até mesmo com o uso ostensivo de armas, agressões físicas e mortes? Não é chegada a hora de dar uma resposta, não somente aos imbecis que estão fazendo o papel sujo na linha de frente do desrespeito, mas, e principalmente, aos que incentivam e propagam essa estratégia de violência?
Se não se pode pensar em enquadrar juridicamente esses líderes como mandantes ou participes, na legislação vigente, não seria o momento de discutir novos tipos penais na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito? Vamos conviver indefinidamente com a violência e o ódio como companheiros da nossa vida cotidiana? Ou esses seres escatológicos voltam para o esgoto, ou se faz imperioso uma reação dentro dos princípios e garantias constitucionais.
O Brasil errou ao não punir os torturadores e os assassinos quando da redemocratização. Anistiamos monstros que se alimentaram da impunidade e usaram as trevas para expandir. Agora, se não formos rigorosos na responsabilização criminal dos que se tornaram profissionais do crime nos últimos anos, o brasileiro terá que se acostumar a ser humilhado, a sofrer violência física e verbal e a se despir da honra e da tranquilidade. É uma opção a ser tomada antes da barbárie ser definitivamente instalada. Socorrendo-nos do velho Drummond, no poema Carrego Comigo: “Não estou vazio, não estou sozinho, pois anda comigo algo indescritível.”
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