Por Luarlindo Ernesto
Hoje, cedinho, alguém tocou o sino do portão. As rolinhas e os sabiás ficaram assustados e bateram em revoada. Até os pombos fugiram. Eu já estava na frente do computador, desde às 6 horas, enviando alertas para o Cadu e para o Gustavo, companheiros do jornal, passando as encrencas que rolavam nesta cidade e arredores. Dei um tempo, pensando que fosse algum mal educado que resolveu fazer gracinha.
Mas, o tal alguém, continuou a puxar a corda do sino. Será que esse alguém tá querendo tomar vacina aqui em casa ? Afinal, andou faltando doses nos postos de Saúde. Bolas, aqui tem doses de bom humor e de esperança.
Publicidade
Olhei através da janela e vi um morador da área, avô de três ou quatro aborrecentes (no caso, se os netos fossem meus, seriam os meus anjinhos). Céus, o que será a uma hora dessas? Parei o trabalho e lá fui atender a emergência. Sim, a essa hora, só pode ser caso de emergência. Avisei, por sinais, que já estava indo atender. Só o tempo de vestir um robe de chambre para me compor decentemente.

Que será ? Caso de morte? Caso de vida ? Desaparecimento? Covid? Dívida? Veio pedir açúcar? Acabou o gás? Veio vender máscara? Caramba, para chegar até ao portão, tenho que caminhar quase 100 metros. Dá tempo de imaginar um bocado. E lá fui, com ar de despreocupado, querendo mostrar que estava em um mundo sem problemas, com água pura, sem geosmina ou coliformes. Já o vizinho, por trás da máscara, parecia aflito, nervoso, impaciente, quase neurastênico. Tratei de apressar o passo. A situação exigia.
A dez metros de distância, ele gritou: "A gata caiu no vão da cisterna. Pelos gemidos que escutei, ela está presa!". Caramba, agora, meu semblante mudou. Tenho certeza. Eu me vi atrás, da máscara. Corri em direção ao reservatório de água e, pronto, lá estava a Polyana. Olhos arregalados, com o miado de socorro me ensurdecendo. Ih, acho que nem agradeci o alerta do vizinho. Voltei
correndo, procurando algo para servir de apoio para a gata, uma mestiça de 7,5 quilos, que migrou, depois de uma irmã dela, para a minha caverna e se apossou da propriedade. Ela tem problemas de locomoção e passou por pneumonia no início do ano. Pronto, acabou com o meu dia.

O espaço do confinamento era de um palmo de espessura por metro e meio de fundo. Tentei com cordas, paus, escada de cozinha, a grelha da churrasqueira portátil, usei todos os palpites dos vizinhos e curiosos que apareceram. Nada de conseguir tirar a gata da fenda. Horas passaram. Pensei no último recurso: Corpo dos Bombeiros. Liguei, me identifiquei, passei todos os números de telefones que existem na caverna. Ah, e-mail e twitter. O agente que me atendeu, tenho certeza, tem paciência. Depois de escutar os meus lamentos, anotou detalhes e prometeu ajuda.
Publicidade
A pequena "multidão" que ficou no portão já me cobrava providências. Acalmei o povo e comuniquei que os bombeiros estavam a caminho. Silêncio geral. Menos da Polyana. O grupo de Buscas e Salvamento, acho que é o nome desse setor, chegou, analisou a
situação e, em menos de dez minutos, resgatou a bichana. Palmas, apupos, agradecimentos. Logo a equipe, que recusou um cafezinho, água ou álcool, partiu feroz para outro chamado. Antes, o Heitor, netinho de outro vizinho, pediu para tirar fotos com a equipe. O menino, de quatro anos, ficou maravilhado com o salvamento. Já avisou que, quando crescer, quer ser bombeiro.
Polyana, até agora, meio assustada, passa bem, obrigado. Ah, a minha Taxa de Incêndio está em dia e eu voltei para o trabalho. "Alô Cadu, alô Gustavo, a cidade continua cercada de encrencas, covid, violência e miséria". Permaneço em home office.
Publicidade