Por Luarlindo Ernesto
Tô rindo sozinho. Ainda bem que ninguém está vendo. O binóculo pendurado no pé de nêspera me lembrou o repórter-fotográfico Jeff Jeffries (James Stewart), no filme de Hitchcock, Janela Indiscreta, lançado em 1954. A bela princesa de Mônaco, Grace Kelly, era a namorada do colega de profissão no filme. Bolas, deixa logo contar o porquê do riso.
É que, o fotógrafo Jeff, enclausurado em seu apartamento de Nova Iorque após sofrer um acidente e quebrar uma perna, não tinha muita coisa a fazer. Então, munido de câmera com poderosa lente, passou a espiar a vizinhança. Descobriu, em apartamento quase em frente ao seu, um homem com atitudes complicadas e, aí começou a desconfiar do vizinho que, no seu voyeurismo policialesco, entendeu que o cara havia assassinado a mulher e se preparava para fugir. Não adianta pedirem. Não vou contar o final do filme. Esse Hitchcock era porreta.
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Mas, voltando ao binóculo no quintal, esclareço que foi por motivo justo. Nada de espionar vizinhos. É que, já tem quase um mês, o barulho de marteletes perfurando rocha, no alto da Serra dos Pretos Forros, que faz parte do Maciço da Tijuca, aqui em frente a minha caverna, chama a atenção. Então, quando dou uma paradinha para descansar, na hora de varrer folhas do quintal, procuro uma sombra e uso o binóculo para ajudar a entender o que vai ser construído lá no alto do morro.
Operários começam cedinho e trabalham até tarde. O barulho vai longe e o pó de pedra que levanta no local me intriga. Parece a construção de heliporto, ou plataforma que se projeta na montanha, ou enorme deck, e ocupa longo espaço. O local é de difícil acesso e a obra está em espaço de parque florestal, da União ou do
governo do estado. Vizinho, que é guarda na Floresta da Tijuca, poderia me ajudar. Mas o Sérgio, está afastado das funções devido a essa maldita pandemia. Nem tenho visto ele por essas bandas.

Sempre que tenho oportunidade, quase todas as manhãs, vou espionar o andamento da construção. Pior é que outros vizinhos daqui do Principado da Água Santa, de Bombordo, Boreste, viram quando espiava pelo longo binóculo - daqueles de mais de meio metro, do tipo usado em vigias de navios - quando estava olhando o andamento da obra, e chegaram a fazer perguntas. Até pediram para dar espiadinhas. Deixei. Pô, eles não enxergaram a construção !
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O Fred, um dia desses, me avisou para tomar cuidado. "Pode ser construção da milícia, ou dos traficantes..." E recusou dar uma olhada. Confesso que alertei amigos, inclusive o Araújo, que voam nos helicópteros das rádios e emissoras de TV, sobre a localização da tal construção suspeita. Caramba, ninguém deu bola. Ou esqueceram. Avisei ao meu chefe, no jornal. Ih, a mesma coisa. Será que estão me julgando um velho gagá ? Igualzinho ao que aconteceu com o fotógrafo do filme Janela Indiscreta (no caso, quintal indiscreto).
Ninguém deu crédito ao fotojornalista. Podem acreditar. Existe a construção. Não ando bebendo o tão apreciado Steinhager. Nem estou usando medicamentos tarja preta. Tô lúcido e sóbrio. Minha vontade é chamar, como reforço, a Legião Estrangeira. Os caras são competentes e chegam lá no morro rapidinho. Ou, acionar a NASA, com os satélites espiões para ajudar a resolver o mistério. Não adianta pedir auxílio ao Ministério do Meio Ambiente. O ministro pode querer abrir as porteiras. Ah, quase esqueci dos paraquedistas. Bem, aguardem. Prometo informar o resultado.
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Enquanto rola a obra, e não consigo elucidar detalhes, vou rever o filmaço Janela Indiscreta, aqui na caverna equipada com wi fi.