O sorriso do menino estava emoldurado de açúcar. A senhora que o acompanhava, bebendo água mineral, sem gás, com canudinho, não parava de reclamar. Todos em volta acompanhavam o drama da criança. Lógico, eu e Fred, também. Estávamos no Centro da cidade, em plena Casa Cavé (desde 1860), tomando um lanche após um rolé pelo Centro. A Cavé foi a solução encontrada para, pelo menos, um lanche, após tentativa na Confeitaria Colombo, ali pertinho. A Colombo já não tem mais os velhos sassaricando na porta, olhando os brotinhos que passavam. Estava, sim, lotada e com fila para atendimento na hora do almoço apressado dos poucos que ainda têm emprego na cidade. Então, rumamos para a Cavé. Entenderam ? A Cavé foi o Posto Ipiranga do momento. Fred detesta sanduíches das barraquinhas. Eu também.
Na mesa ao lado, na Cavé, a senhora (uns 70 anos) e o menino (uns 8 anos), chamavam a atenção. As máscaras, penduradas nas orelhas, esbarravam na mesa. O Mil Folhas que o garoto comia, estava com o creme bem espalhado pelo prato. A voz, alta e estridente da que seria a avó, feriam mais ainda os ouvidos. Parecia apito de fábrica (lembrei do samba de Noel), tudo atrapalhando os lanches e os almoços dos clientes. Mas, foi então que comecei a pensar nas orelhas. Vou tentar explicar. Com a pandemia, passamos a usar máscaras, apoiadas nas orelhas. Que ainda são adornadas por brincos, fones de ouvido e, ainda, as hastes dos óculos. Nunca a humanidade deu tanto trabalho às orelhas como hoje em dia.
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Meu médico geriatra (sim, eu frequento a Geriatria...), que cuida da minha velhice, tentando melhorar a qualidade de vida, as dores lombares, a falta de Vitamina D, afastando as ranhetices "natural" da idade, sempre me alerta.: - O Luar, você tem que se policiar, nunca se exalte, não discuta, apenas ouça. É melhor ouvir do que falar sem pensar. Sorria sempre. Use álcool, nas mãos...- Bem, já que falei da Geriatria, não custa lembrar aos mais velhos que leem minhas histórias. Depois dos 70, passamos a diminuir a altura. As orelhas e o nariz, ao contrário, aumentam de tamanhos. Quando entrei no Exército, em 1962, eu estava com 1,63m de altura. A última vez que o geriatra mediu, tava com 1,57m. O pior de tudo é que, já que estamos usando tanto as orelhas segurando os penduricalhos, a tendência é aumentar mais ainda este adereço auricular. Mais do que a natureza manda. Já o nariz, bem, o meu é dos grandes. A máscara está, pelo menos, tentando diminui-lo. (sem êxito).
Vamos voltando à Cavé, enquanto a senhora reclama, em tom alto, das maneiras do possível neto, Fred resolveu fazer uma brincadeira. A danou a falar, em tom alto, em seu idioma natal. Ele recitou um verso suíço, fingindo que estava reclamando do barulho da avó que era nossa vizinha de mesa. Ele tem toda a pinta de turista. Ih, os clientes, então, passaram a nos olhar espantados. Quando terminou, nos levantamos e nos abraçamos. Eu ainda bati palmas! A senhora barulhenta havia parado de reclamar com o garoto. Parece que ela engoliu o recado de tabela. Os fregueses, então, notaram que foi ardil do Fred. O silêncio no salão somente voltou depois que todos aplaudiram a performance do amigo. Quando estávamos saindo, ainda ganhamos tapinhas carinhosos nas costas, em agradecimento a intervenção oportuna do meu suíço. Sempre disse aqui, nesse cantinho, por várias vezes, que o Fred é porreta. Na calçada, ele acendeu um charuto cubano e caímos fora, morrendo de rir. Afinal, Fred, é o único suíço-agua-santense que existe na face da terra. Ô terra boa. Tem de tudo. Só falta a praia.