Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIADaniel Castelo Branco

Enquanto esperamos as preciosas doses de vacinas aqui na cidade do Rio, lembrei de um causo que se passou em meados do ano de 1986: a crise da carne. Lembram? Faltava carne bovina nos mercados. Nos frigoríficos, não. Foi na Era Sarney. Vejam a comparação: tem vacina estocada pelo Ministério da Saúde. Mas não tem em vários estados.
Pois na época do Sarney, a carne não chegava às mesas. Dei meu jeito e fui comprar carne na Feira dos Nordestinos, aqui em São Cristóvão. Claro, pagando ágio! No caso das vacinas, não há como conseguir as doses salvadoras. Temos que aguardar a logística (?) federal para encarar as filas nos postos de Saúde.
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Enquanto isso, vamos tentando driblar a Delta, enquanto os casos de internações aumentam nos leitos de UTIs. Mas, o brasileiro já enfrentou a crise do feijão, a do arroz, a do açúcar, a do Plano Collor (CR$50 na conta bancária de cada brasileiro), a do leite. Teve até a da cerveja que não chegava aos bares. Mas nas quadras da Escolas de Samba, nos ensaios de Carnaval, a loura não faltava. Ainda bem. Já pensaram em ir aos ensaios e não beber cerveja?
Crises de abastecimento de água? Ih, perdi a conta. Lembram da época em que os postos de gasolina fechavam aos domingos? Bom não lembrar das eternas crises financeira e da Saúde. Não esqueçam que os reservatórios estão vazios e, consequentemente, a energia elétrica ficou mais cara e, ainda, corremos risco de racionamento.

Nas crises da carne bovina e a da cerveja, aqui na Água Santa não faltou churrasco de finais de semanas. O Bar da Maria, na confluência das Ruas Borja Reis e Monteiro da Luz, manteve a freguesia bem hidratada com o puro malte. Na calçada, a churrasqueira funcionava nas sextas-feiras e sábados. A rapaziada manteve os encontros semanais, que sempre despertava inveja em muita gente que passava ao largo.
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Eu cuidava em conseguir a bebida para o bar. Dois outros, Darcy Capacete e Hélio Tatu (que Deus os tenha sob seu manto) cuidavam da arrecadação financeira para aquisição das carnes. Depois, na Feira dos Nordestinos, se comprava peças de costela, ou de contra filé. O costume durou anos e anos. Somente com as obras da construção da Linha Amarela, que devastou o pequeno comércio e dezenas de residências no local, é que os encontros, e o prédio do bar, desapareceram do mapa. O costume driblou as crises com galhardia.
É bom lembrar que, naquele pedaço do bairro não houve crise alguma. Tudo era resolvido. Sempre havia alguém que providenciava o que estivesse em falta. Até empregos! Claro que a turma enfrentava o pessoal da oposição. Uma senhora, que sempre criticava as churrascadas na calçada, uma bela tarde chegou humilde para pedir ajuda. O filho mais novo precisou de medicamentos que estavam em falta no hospital da
prefeitura. E a turma acionou o Telmo, que trabalhava em farmácia.
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Fizeram uma vaquinha, conseguiram o dinheiro e Telmo trouxe os remédios. E, assim, de crise em crise, os problemas eram resolvidos. Hoje em dia, a maioria daquela rapaziada foi se espalhando. Uns morreram, outros mudaram de ares. Uns poucos ainda estão por aqui, cabelos brancos, prisioneiros da pandemia. Vez por outra, encontros casuais, telefonemas, poucos usam o zap. Até os velhos comerciantes desapareceram , levando os cadernos dos penduras como recordações.
Reconheço uns poucos herdeiros. Nem sei se eles me reconhecem. De uma coisa tenho certeza: todos, os velhos e até os novos moradores da Água Santa, têm uma crise para administrar. Afinal, crise é coisa que não falta. Ah, não adianta querer escolher uma. A crise é que nos escolhe. Temos crise das crises ! Cruz crises...