Quem poupa, tem. A madeira que estoquei em local seco, abrigado da chuva, no fundo do quintal, enfim saiu da toca. A cada poda das árvores, guardava os galhos mais grossos. Antes desta quarta feira, atingida pelo clima glacial que chegou do Sul, separei e cortei em pedaços para queimar na velha salamandra, de ferro fundido do tempo do Império. Comprei esta peça em uma antiga fazenda de cultivo de café, acima da Divisa de Campos, já em território do Espírito Santo, lá no início dos anos 60, durante os trabalhos que fiz sobre reforma agrária. Foi um drama trazer a peça para casa. A salamandra ocupou todo o espaço do banco traseiro do jipe, tipo Willys, veículo muito usado pelas equipes de reportagens naquela época. Não lembro quanto paguei. Calculo uns CR$ 40.

Mas, saindo do passado e voltando ao presente, tão logo iniciei o fogo na salamandra, tocaram o sino no portão. As primeiras labaredas iniciaram a emissão de fumaça no alto do telhado da varanda.
Caramba, o vizinho de bombordo! - Ô Luar, vai ter churrasco? Céus, nem o frio e chuva serviram para afastar a curiosidade do vizinho atento a tudo e a todos. E, mostrando o largo sorriso de satisfação, foi explicando: - Nada como um churrasco para ajudar a espantar o ar gelado. - tentou
justificar o cidadão.
E foi entrando no quintal. Não tive tempo de responder nada. Ele abraçava uma garrafa de vinho. Sinal de que veio para ficar, cheio de intimidades. Para complicar, o morador da casa da frente viu, também, a fumaça e deu o alerta geral. - Churrasco! Ele já vai chegar, aposto. Tenho reações rápidas e, para tentar me livrar das visitas indesejáveis, comecei a explicar sobre o funcionamento da salamandra, suas vantagens sobre as lareiras, a economia de lenha, maior fonte de calor, e, consequentemente, menos
poluição. Claro, foi a tentativa de apagar das mentes dos vizinhos a ideia fixa de churrasco.
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Logo o outro vizinho chegou. Já vi esse filme. Vai virar farra. Estou trabalhando em home office e ningém se lembra, ou acredita. - Ô Luar, trouxe umas costelinhas de porco para assar. Já estão temperadas !
Amigos, não sei se vocês lembram do drama que passei quando, antes da pandemia, tentei fazer um bife de carne moída, usando um ferro de passar, daqueles movido a carvão. Virou festa...

O Refogado, o proprietário do bar ao lado, despertado pelo falatório na minha varanda, botou a cara no muro e foi apregoando seus produtos: - Alô rapaziada. Tenho postas de bacalhau nacional, linguiças e
camarões. Produtos frescos, com preços módicos e especiais para degustação na churrasqueira.
Bolas, não tem churrasqueira, não tem festa, não tem confraternização.
Quero apenas acender a salamandra para afastar o frio. A temperatura, nesse momento, batia os 16º e a tendência era de abaixar mais. Ah, o telefone fixo começou a tocar. O bina mostrou que Fred me chamava.
Pode ser que me mostre alguma solução.
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- Que tá acontecendo por aí? Incêndio? - Não, amigo. Tô usando a salamandra. E começou a aparecer gente achando que era churrascada. Socorro! - Dá uma vassoura para cada um e manda varrer o quintal. -
Não deu certo. E o sino chamou novamente. Era o carteiro. Mais um cartão de crédito chegando. Não pedi nada. Caramba, que tarde movimentada.
Antes que o desespero invadisse minha cuca, em um ato extremo, fechei a saída da chaminé. A fumaça invadiu a varanda, ninguém enxergava mais nada. Escutei tosses e reclamações. Confesso que alguns mal educados falaram palavrões. Nem dei bola. A intenção era me livrar dos inoportunos. E consegui. O Refogado ainda chegou a perguntar se deveria chamar os Bombeiros. Nem respondi. Usei ventilador para limpar o ambiente e curti o calor de 30º . Deu até para deitar na rede e relaxar, sem vizinhos e sem churrasco. Cochilei e sonhei com o Natal antecipado, com direito a neve e 13º salário.