Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Preso em engarrafamento na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, voltando de uma consulta com o doutor Adolfo Silvestre, em Ipanema, o carro de aplicativo onde eu estava permaneceu parado por uns 15 longos minutos. Bem em frente ao Parque da Catacumba. Sem conseguir fumar. Não é que lembrei da antiga favela que ali existiu até 1965? Hoje em dia, somente prédios de habitação coletiva, de luxo, cercam o local.
Mas, inerte na confusão do trânsito, lembrei, ainda, de outras que existiam em toda aquela região. Foram inúmeras. Todas retiradas, no peito e na raça. Vou tentar lembrar de algumas: Ilha das Dragas e Piraquê. A do Macedo Sobrinho, também derrubada, escondia vestígios do Forte da Piaçava (que voltou a desaparecer com a construção de um CIEP, mais tarde).
Pouco gente sabe que ali pertinho já existiu uma favela com o nome de Mangueira, não confundir com a outra, pertinho do Maracanã. Ela ficava onde hoje é o Parque Municipal Morro da Saudade, entre Humaitá e
Copacabana, pouco conhecido e sempre fechado. Seria um apêndice do Morro dos Cabritos/Tabajaras/Vila Rica, sobre a Rua Pinheiro Guimarães. Todos os moradores foram levados para conjuntos habitacionais na Cidade de Deus e Cidade Alta (Cordovil). Ih, já ia esquecendo do Parque Proletário da Gávea, vizinha da PUC.
Nos dias de hoje, amigas e amigos, existem novas comunidades, crescendo a todo vapor na cidade toda (e em municípios vizinhos). Acho que não vou ter tempo de lembrar de outras enquanto estou nesse engarrafamento que parece estacionamento. Mas, todas as favelas da região foram retiradas a partir de 1965. Até conheci um detetive, o Júlio Maracujá, um gaúcho forte, bravo que nem pimenta baiana, que
atuou na retirada de moradores da Catacumba e Praia do Pinto (essa última, deu lugar a prédios residenciais, conhecidos como Selva de Pedra).
Ele chegou a contar que, em meio a confrontos, "arrastava os moradores até aos caminhões do governo que levavam as famílias para outras moradias, distantes da Zona Sul". Júlio disse que chegou a carregar nas costas alguns velhinhos que não conseguiam andar..."Mas, tinham que sair para que as máquinas derrubassem casas e barracos, tudo naquele momento".
Acredito que o Júlio morreu de cirrose, tem tempo. Creiam: muita gente vendia os apartamentos e casas que ganhavam do governo e voltavam para outras favelas. A Rocinha foi o principal alvo. Houve casos como o do Milton Santos, que eu conheci, que comprou e vendeu o apartamento na Cidade de Deus. Conseguiu um outro apartamento no Campinho. Como me disse na ocasião, "lá é bem mais calmo".

Lembrei da favela da Maria Angú, em Ramos, a do Morro do Pasmado, em Botafogo, e a do Esqueleto, onde hoje está a Uerj. Todos os moradores foram deslocados para a Vila Kennedy, conjunto habitacional financiado pela Aliança Para o Progresso, do governo norte-americano. Aliás, surgiu logo em seguida, a Vila Aliança, também construída com dinheiro dos norte-americanos.
Os moradores reclamavam da distância do Centro e da Zona Sul da cidade. Foram para local considerado como área rural. Mas, eram obrigados a aceitarem as mudanças no grito. Um detalhe que quase deixei passar: a Cruzada São Sebastião, no Leblon, foi construída com as bênçãos do Bispo Dom Hélder Câmara. Muitos moradores vieram da Praia do Pinto. Os apartamentos foram pagos pelos moradores a perder
de vistas, se é que conseguiram pagar. Jamais mexeram com a Rocinha.
Gente, nessa época das remoções, ainda não haviam inventado as milícias e nem mesmo as facções que mandam e desmandam nas comunidades hoje em dia. Mas, não tive intenção em escrever sobre a favelização da cidade. Apenas trouxe a vocês um pouquinho do que lembrei enquanto ficava preso no trânsito. Tô pensando em arranjar outro engarrafamento para lembrar de mais histórias. E, garanto que tem muitas mais, afinal, trabalhei em quase todas, onde vi e convivi com dramas, tragédias, aniversários, casamentos, desabamentos, festas e uns poucos tiroteios, omessa !