Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Início dos anos 1960, férias na Ilha Grande eram uma aventura. Mas, eu cheguei lá bem antes. Em 1945, o presidente Dutra botou na cadeia todos os banqueiros do jogo do bicho da época. E quase acabou com toda a jogatina no país. Então, fui visitar meu avô postiço, preso. E, chegar até lá, mesmo depois, era uma senhora aventura. E, bota aventura e sacrifício nisso. Arriscava nas férias do colégio.
Nos dias de hoje, sem contar com helicópteros, temos a Rio-Santos, toda asfaltada. Mas, antes, de carro, cansei de ir até a Cunha, em São Paulo, indo e voltando pela Via Dutra, para Angra dos Reis. Ou, encarar a estrada de barro, de Itaguaí a Mangaratiba. Rezando para não chover ! Mas, ainda havia outra alternativa: o trem.
Claro, com a velha Maria Fumaça, saindo da Estação Francisco Sá, da antiga Linha Auxiliar, da Leopoldina, em São Cristóvão, até
Mangaratiba. Não é uma aventura ? Por vezes, cheguei a desistir de chegar ao porto do Abraão, na ilha, ficando pelo meio do caminho, em Mangaratiba. Gastava menos dinheiro e ganhava mais tempo de ociosidade. Coisas de adolescente.
A Rio-Santos somente foi concluída em 1971, já com o governo militar engrenando o monstrengo da Usina Nuclear, em Angra dos Reis. A ligação marítima com a ilha, partindo de Mangaratiba ou Angra, era feita através de lanchas pequenas, da empresa Sul Fluminense. Lembro dos nomes das embarcações: Peruana, Guarapiranga e Paraty. Desconfortáveis, feitas de madeiras, e que, pelo formato, jogavam muito nas marés. Passageiros ficavam enjoados frequentemente e "jogavam carga ao mar", sujando uns aos outros.
Já, a penitenciária recebia os presos do continente nas embarcações do então Desipe, e as embarcações eram a Tenente Loretti, Nestor Veríssimo e a L30, esta última do Salvamar. A Loretti sobreviveu e ganhou até documentário. A L30 foi comprada pelo amigo Elias Lins (dono de pousada, na época) no Abraão e virou Ipaum Guaçu - nome da Ilha Grande em idioma Tupi/Guarani. A embarcação foi recuperada e hoje é usada para transporte de turistas e para pesca.

Para esquentar a aventura, ainda havia a opção de se visitar as mais de 200 praias da ilha, incluindo as do lado do mar aberto. De barco ou por trilhas, com caminhadas que poderiam levar até dois dias, ou mais. Eu cheguei a encarar caminhadas e, em outras ocasiões, alugava barcos para dar a volta total pela ilha. Sempre levando água potável, alimentação e estojo de primeiros socorros.
O comércio no Abraão era pequeno. Uns dois bares, um acanhado armazém do Amaury e, bem mais tarde, uma padaria, do Jorge que foi guarda do presídio. O primeiro presídio, na Praia Preta, ao lado do Abraão, já havia sido desativado e saqueado. Levaram até as telhas francesas. Era suntuoso, com claraboias e vitrais importados na área da administração. Lá, anteriormente, funcionou o lazareto e, bem antes, local de cura e engorda de escravos recém chegados da África. Dom Pedro II esteve visitando, de longe, embarcado depois de uma viagem de navio até a Baía da Ilha Grande. Foi ele que deu a ideia, se não me engano, de se manter o presídio por lá.
Já nos anos 1970, o telefone chegou, junto com a energia elétrica. Até então, o presídio fornecia a energia do gerador movido a diesel, por quatro horas diárias. Duas pela manhã e duas à tarde. Então, os mais ricos tinham geladeiras movidas com querosene ou gás. Lampiões e lanternas portáteis eram usados na maioria das poucas casas. Pescadores de vários pontos da ilha compravam gelo em Angra dos Reis para conservar o pescado. E, as visitas dos presos eram transportadas nas embarcações do estado. Viagem das
piores, em meio a outros novos presos que iam cumprir penas ou voltavam ao continente para audiências no fórum.
Ah, eu fiz uma viagem, da Praça XV de Novembro, até ao Abraão, em um veleiro. Foram oito horas de travessia. Claro que levei água, comida e tintura de iodo. A vida por lá, na ilha, até hoje é muito cara. E, por esse Brasil, onde não é ?