Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

A turma da goela molhada, da carraspana, do bairro  (calculo uns 40 membros, sem exageros) anda reclamando do preço absurdo do álcool. Não, não é o 70º para desinfetar as mãos. Me refiro à aguardente, ou cachaça, aquela que vem engarrafada e que tem sumido dos despachos das encruzilhadas nas sexta feiras.
Já me disseram que há possibilidades de uma manifestação de protesto. A última foi contra o fechamento de bares da região, logo no início da pandemia, com o agravamento da crise financeira. Vou aguardar mais detalhes para informar aos amigos. O Refogado, ilustre taberneiro, avisou que ainda não aumentou o preço mas deixou claro que há possibilidades, das grandes, de mexer na tabela do cardápio. A manobra que fez foi deixar, por escrito, que os preços das bebidas estão em promoção. Portanto, podem sofrer alterações a qualquer momento.
Avisei ao Everaldo Bola de Fogo, um dos bebuns mais conhecidos da área, que seria melhor ele reunir os amigos e comprar um estoque técnico no armazém da Água Santa. Nada melhor do que uma turma unida, precavida e que pensa no futuro. Seria uma espécie de poupança alcoólica, em tentativa de diminuir a despesa, já que cobrança do famigerado IOF majorado esses dias, foi mais uma alavancas para aumentar todos os preços. O papo com o Bola de Fogo aconteceu no portão da caverna, bem cedinho, dia desses.

Eu tentei explicar, já que havia tocado no assunto, que existe diferença entre aguardente e cachaça. Acreditem, não tive chances de detalhar o assunto. Nem o Refogado quis saber: "Não me meto com IOF, INPC, IPCA, Selic, meu comércio não é registrado, é frente de quintal", retrucou. Mas, até na taxação de impostos, os dois produtos têm diferentes abordagens.
Pensei em deixar Everaldo cheio de assunto para as reuniões no bar-birosca. Não fui ouvido. "Ô Luar, assunto de biriteiro não abrange impostos cobrados nas bebidas", disse cheio de razão. E foi
direto beber, falando alto, enquanto se afastava, para que eu o escutasse, antes que o Refogado aumente o preço. E sumiu na esquina. Ele esqueceu que o caderno do pendura é atualizado semanalmente.
Bem, continuei a lida de varrer o quintal, cheio de folhas que atrapalham os pássaros que ficam ciscando a procura de alimentos. Aqui venta muito. E, eis que surge o Nelson Ditadura, um aposentado federal, morador das antigas: "Ô Luar, você viu a rapaziada do copo passando por aqui ?", interrompendo minha tarefa.
"Ví, sim, Ditadura. Alguns já estão chegando no antro do Refogado", respondi, querendo fugir de conversa fiada. Quando ele começa a falar, não para. E logo peguei o celular, fingindo uma ligação urgente para fugir do vizinho. Ele é favorável, como o apelido sugere, à derrubada de qualquer presidente. Menos, é claro, o que ocupa o Palácio do Planalto no momento. E, ainda é metido a falar difícil, misturando alhos com bugalhos. Difícil manter diálogo com ele. O povo daqui da área foge dele. Até o funcionário da Light, que mensalmente passa no bairro para anotar o gasto de kilowatts das casas, evita conversar com Nelson.
Esse marcador, o Celso, já me confidenciou um pecado do Ditadura: "Quando anuncio minha presença", disse olhando para os lados, "ele sempre diz para eu esperar um pouquinho". "Fala que vai prender o cachorro. Ô seu Luar, ele vai desarmar o gato da luz. Pensa que me engana. Ele não tem cachorro!".