Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Quantos Amélios vocês conhecem? Sim, o nome é esse. Lembram da Amélia, do saudoso Mário Lago? Pois esse é o Amélio. Se tem as virtudes da mulher do samba? Não posso confirmar. Até então, pouco sabia dele. Vivia enclausurado em casa. Sempre de avental. Eu mesmo vi, algumas vezes, no quintal da casa dele. A mulher, a Olga, pouco se relacionava com a vizinhança. Casal misterioso.
Vez por outra, um alô no portão, ou um bom dia na padaria. O casal, uma vez por semana, era visto saindo de casa. Ele, de terno, sem gravata. Ela, de vestido formal. O carro deles, um Fiat 147, creme, modelo 1979, sempre brilhando de limpo e silencioso que nem um cágado. Ih, a vizinhança até sabia os horários de saída e chegada. Tudo cronometrado. Imaginem o que falavam e o que imaginavam deles. Chegaram a inventar que eram espiões...
Mas, em uma manhã, incrível, Amélio me deu um aceno e, com um sorriso, emendou um convite para acompanhá-los, por dois dias, até um cantinho deles. Não tive como recusar. Eu estava alimentando as rolinhas no quintal, quando ele chegou no portão e puxou a conversa. Falou dos animais, da natureza, da poluição e da sobrevivência da humanidade. Pô, o cara é humano !
Bem, a imaginação, ou fofoca, da vizinhança, leva a crer que o casal é vegetariano. E, já inventaram mil situações contra e a favor deles. Evangélicos? Espíritas? Muçulmanos? Judeus? Maçons? Ateus ? Céus, já espionaram a casa com drone! Que mistério...

Um belo dia desses, um casal aparece para morar nas proximidades. Casa grande, dois andares, com quintal. Quatro filhos, tipo escadinha, de uns três até seis anos de idades. No primeiro final de semana, uma festança sacudiu os alicerces. Barulho ensurdecedor de funk e pancadões. Começou na sexta feira, varou a madrugada, emendou no sábado até depois do meio dia. A rua ficou intransitável, com carros e motocicletas mal estacionados, ocupando parte da pista e toda a calçada.
Um furdunço formidável agitou o bairro. Na padaria, me contaram depois, lá pelas 10 horas da manhã do sábado, maioria sem dormir, os comentários: acabou o sossego, tudo bandido, quadrilhão, tamos perdidos, isso é o inferno, ninguém vai reclamar? Deve ter rolado drogas ! Cadê a PM?

Domingo, pela manhã, o Refogado, dono do bar-birosca, passou e parou para conversar enquanto eu varria as folhas no quintal. "Ô Luar, escutou o barulho dos vizinhos novos?" Que vizinhos? Que barulho? respondi perguntando. Ih, Refogado quase se irritou: "Pô, como não escutou? Ninguém dormiu na área. Música alta, gritos, uma zona! Dia e noite de inferno total. E ninguém comprou nada no meu comércio..." Caramba, eu nada soube.

Ô Refogado, sexta feira, cedinho, fui para Cachoeiras de Macacu. Voltei sábado, já noite. Não sei nadinha de nada. Fui para um pequeno sítio no meio da mata. Amélio e Olga me levaram para apreciar os pássaros e animais no que resta da Mata Atlântica... Expliquei ao comerciante que, Amélio, havia reparado que alimento os pássaros e isso o deixou animado em puxar conversa. Então, ele e a mulher acharam que deveriam me convidar para ver de perto o trabalho deles. Ele é um estudioso de pássaros, ornitólogo. Ela é zoóloga e eles fazem estudos de pássaros que vivem longe da poluição e das cidades povoadas de humanos mal educados.
São cientistas da natureza, estudam, também, animais que estão se aproximando das casas em busca de alimentos. São fenomenais. Me mostraram a vida do outro lado da que conhecemos. Refogado ficou boquiaberto e espantado: "Não são comunistas e nem espiões?" Perdeu a graça... Ah, mas tem os vizinhos novos!