Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Eu, e a maioria absoluta dos mais velhos da Água Santa, aguarda a Hora H e o Dia D da quarta dose da vacina contra a covid-19. Ah, e a que afasta a gripe, anual, também. Enquanto isso, ainda na pandemia, fico na caverna, isolado e cercado de cuidados para não ser contaminado.
Parece que vivo em regime de prisão domiciliar. Os amigos e vizinhos, com juízo, também. Pelo menos, os passarinhos agradecem a minha presença diária no quintal, distribuindo o alimento duas vezes ao dia. Vez por outra, bate uma melancolia quando vejo as pessoas passando pela rua, indo e vindo, sem máscaras, na maior liberdade. Bolas, terrível viver em outro mundo, pelo menos sem grades. Só mesmo os vizinhos para quebrar a rotina e a monotonia.
Agorinha, Fred ligou: "Acho melhor fazer cerveja em casa". E justificou: "Tá muito cara no mercado".

É, o custo de vida disparou. Ibiapina, parece que não notou a alta de preços. Ele, no dia anterior, passou no quintal, quando eu estava trabalhando no deck, e sugeriu uma churrascada na casa do Fred.
"Ô Luar, compramos umas picanhas e queimamos a carne no Fred", disse. Não tive tempo de raciocinar. "Legal ! Bolas, picanha na brasa, amigos, pede umas cervejas para acompanhar". Mas, será que Fred sabe dos planos do Ibiapina?"
Desligando os aparelhos de trabalho, arrisquei a pergunta: "Já perguntou a ele?". A risada respondeu que não. Eu desconfiei. Então, Ibiapina não deve saber dos planos da cerveja artesanal. Fred não é um esbanjador. Mas adora churrasco e cerveja. Principalmente da bebida. Não esqueçam que ele é suíço...Com a idade, só dispensou bebidas destiladas. E é apaixonado por feijoada, mocotó, e comidas típicas da terra natal. Ah, e gosta de receber os amigos.
Para isso, construiu nos fundos da casa, uma espécie de ambiente acolhedor, quase um galpão, com geladeira, cafeteira, pia, churrasqueira, mesa enorme e banheiro acessível. Tudo com entrada independente da casa. Detalhe: longe dos olhos e ouvidos dos vizinhos. Ele é o 'Faz Tudo' aqui dos amigos.

Lembram do ditado "tudo com preços pela hora da morte" ? Acho que, atualmente, mudou para "tudo pela hora da vida". A maneira de encarar churrasco com cerveja é chamar mais amigos. Tudo dividido, Assim, a rachadinha - não é a que os políticos usam - facilita o encontro.
Porém, pura matemática: mais bocas, significa mais cerveja e mais carne. Tudo proporcional. Então, não pode ser rachadinha. Tem que ser rachadão. Melhor fazer cálculos, tipo custo/benefício, entenderam? E eu, querendo cortar custos aqui na caverna... Pensei até em cortar o milho picado e o alpiste dos passarinhos. Mas, o que vou oferecer aos pequenos animais que povoam meu quintal? Farelo de pão e água?
Fiquei pensando no tempo que tinha uma horta bem mais sortida. Legumes, tomates-cereja, batatas, cenouras, repolho. Até aipim e cana ! Claro, uma moenda. Misturava o caldo com rum. Maravilha. E, galinhas e codornas. Eu era feliz e não sabia. Uma ocasião, a filha do meio, apertou uma codorna. Eu corri para socorrer a pequena ave das mãos da menina: "Filha, o que você tá fazendo?". E ela, na santa inocência: "Quero que ela dê mais ovinhos..."

Mas, quanto ao churrasco, resolvi reunir a turma, com todo o protocolo da Organização Mundial de Saúde, e botar o assunto em discussão. Sim, com o plenário cheio. Maioria simples, com o estudo do custo/benefício em questão. Evidente que, com o quintal cheio de vizinhos, a cerveja rolou. Céus, que calor. Que votação tumultuada. Foi uma das mais longas sessões do plenário da Água Santa, aqui no quintal. O resultado? Vai rolar churrascada no próximo final de semana, com placar unânime.
Em outra ocasião, bem mais pra frente, vamos discutir o custo de vida, o tal "tá pela hora da vida".