Especial 70 Anos Jornal O DIA. Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

6h40 - Protegido do sol, na sombra da parreira, desfrutava do final do frescor da manhã, trabalhava no deck do quintal, quando o vizinho de boreste gritou da porteira: "Ô Luar, o sol vai queimar você e seus aparelhos!". Parei de ver as últimas notícias da maldita guerra e desviei o olhar para o cidadão.
Dei o bom dia, que ele não deu, e fiquei esperando o que iria rolar. "E aí ? Vai continuar usando máscara?", ele perguntou. Confirmei com a cabeça... Mas respondi: Meu camarada, a pandemia não acabou. Não vai ser agora que vou dar mole para o vírus. 
E fui avisando que consegui comprar um modelo cheio de caveiras com as tíbias cruzadas. Ótima sugestão para quem olhasse para a proteção sanitária. E o vizinho foi entrando, puxando uma cadeira e se aproveitando do final da sombra. Parei de trabalhar para dar atenção. Mas o pote com nacos de melancia foi o alvo do jovem senhor. "Está sem caroços", afirmou e continuou: "É mais prático. Gostei da ideia !" E atacou.

O termômetro do laptop marcava 29°C, na sombra. A melancia estava desaparecendo rapidamente. E eu esperando o resto da conversa. Esvaziou a boca, naquele momento e falou: "Minha filha vai completar
cinco anos de vida. Ela já não consegue ficar sem a máscara", explicou. "Faz parte da indumentária dela".

7h - Concordei, parando totalmente de trabalhar. Não deu tempo de mais nada. Outro vizinho surgiu. Não consegui escutar o que falou. Barulho dos motores de dois helicópteros que sobrevoam a área diariamente,
logo cedinho, me deixou surdo. Um é de uma emissora de televisão. O outro, que sempre voa mais baixo, é da Polícia Militar. Até os passarinhos não se assustam mais. Afinal, alimento os bichinhos no mesmo horário. Eu já estava preparado para que os dois moradores aqui da área falassem da alta do dólar, dos combustíveis, do custo de vida.
Mas, amigos, nada disso. Só se fala nas máscaras. Pronto, coloquei logo a nova, a das caveiras. Eita, fez sucesso. "Onde comprou ?", indagaram ao mesmo tempo.

7h10 - Um terceiro vizinho surgiu do nada. Nem vi o cara chegar na porteira. Bolas, desliguei a TV portátil. Interrompi, de vez, a guerra suja na Europa. A melancia estava no fim. A máscara ganhou. O terceiro vizinho, de bombordo, estava reclamando do fim do acessório. "Minha mulher faz máscara para vender às lojas. O negócio vai afundar", reclamou sem atacar o último naco de melancia. "A patroa bolou moldes diferenciados e anatômicos. Tava dando certo...", choramingou. Apontou para a minha, das caveiras, e sentenciou: "Vejam, esse modelo é dela. Até o Luar já tem!"

7h15 - Levantei, entrei na caverna e voltei com outra carga de melancia. Notei que o encontro, não programado, iria render. Um quarto vizinho já estava a bordo. Céus. O dia ainda está raiando. Estou trabalhando. Pensei logo que o dia seria longo. O último a chegar, o tal que já havia vendido um dos dois carros para enfrentar a crise, foi avisando que um dos filhos, de seis anos de idade, não queria largar a máscara. "O menino já disse que vai pra escola com a máscara. Ele usa a coisa desde os quatro anos de idade. Faz parte dele!"

7h20 - Foi então que lembrei do Baretta. Gosto de assistir, entre uma explosão em Kiev e um tiroteio em Santa Cruz, o seriado. Está passando em uma emissora de TV fechada. O detetive Baretta estreou em meados de 1975 aqui, no Brasil. Lembram? Conversava com uma cacatua e desvendava os casos misteriosos sozinho. Pois bem, voltou. E, essa invasão do quintal, hoje, me atrapalhou. Perdi o capítulo. Ah, quase esqueci de contar: quando acabou a melancia, os vizinhos atacaram as acerolas que ainda restavam no pé.

7h30 - O vizinho desempregado-profissional apareceu: "Tem cerveja?"