Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Já se passaram pouco mais de 60 anos. O Rio era a Guanabara e os cariocas andavam de bonde. A Polícia Civil fazia rondas em toda a cidade-estado e, um dos delegados, Deraldo Padilha, tinha horror à moda que surgiu naquela ocasião: calças masculinas apertadas nas pernas (uns diziam que estrangulavam as canelas).
O policial andava com uma laranja no bolso do paletó, que usava como seu parâmetro particular). Se o indivíduo estivesse com a calça apertada, levava para a delegacia para o teste. A laranja teria que passar, folgada, pela perna da calça. Não passou, o sujeito ia para o xadrez. Além disso, o delegado também não gostava de travestis (termo da época), prostitutas e "mulheres assanhadas". Bem, vou parar por aqui para que as amigas e amigos entendam o que vou tentar explicar nos parágrafos seguintes.

O Heraldo Mãos de Tesoura, amigo de longa data, excelente alfaiate e marceneiro, costuma, vez por outra, se juntar aos mais antigos aqui no bairro para descontrair. Em uma dessas ocasiões, depois de umas cervejas e bolinhos com bacalhau no bar do feio, ele olhou para as calças do Nelson Ditadura e não se conteve: "Ô camarada, sabe porque estão usando essas calças apertadas, coladas nas pernas?"
A conversa dos outros foi interrompida. Heraldo sempre foi de falar pouco. E, quando ele começava a um assunto, todos na roda se calavam para melhor ouvir. Nelson, sujeito encucado, ficou esperto, pensando que iria ser vítima de chacota. Olhou para suas calças e ficou em posição de defesa. Heraldo, calmamente, começou a falar. Silêncio no grupo. Até o Ibiapina, que não conversa muito, largou de lado o jornal que folheava.
"A indústria têxtil conseguiu uma maneira de usar menos pano nas calças. Os homens foram usando calças apertadas nas canelas e, rapidinho a moda pegou". O silêncio continuou. Até o Aranha, que recebe apostas de jogo proibido, que estava mais afastado, ficou atento. E Heraldo continuou: "Até as calças dos ternos ficaram mais estreitas". E começou a apontar as peças usadas pelos presentes e passantes. Incrível.
Então, Heraldo arrematou: "Vejam as minhas e digam o que acham. Claro que usei mais tecido do que foram usados nas calças de vocês". E sacramentou: "Vocês não conheceram o delegado Padilha. Todos estariam passando pela laranja e, direto pro xadrez !".
Moreira da Silva, o eterno malandro, compôs samba, na época, com o título 'Olha o Padilha'. - ..."E jogou uma melancia, pela minha calça adentro, que engasgou no funil. Eu bambeei, ele sorriu. Apanhou uma tesoura e o resultado dessa operação. É que a calça virou calção. Na chefatura, um barbeiro sorridente estava a minha espera. Ele ordenou: Raspe o cabelo desta fera! Não está direito, seu Padilha. Me deixar com o coco raspado. Eu já apanhei um resfriado, isso não é brincadeira. Pois o meu apelido era Chico Cabeleira
Não volto mais a gafieira..."

O amigo Fernando, lá de Friburgo, lembrou que o samba fez sucesso. Claro que tem um certo exagero. Moreira trocou a laranja por melancia e foi em frente. Outras músicas surgiram sobre o modus operandi do delegado. Todas falando do uso da laranja como parâmetro para determinar se o dono da calça é ou não malandro.

Mas, voltando a delegados de outrora, não posso esquecer do Moacyr Bellot, homem sério, que queria zelar pelos bons costumes, conforme costumava dizer. Ele era da Polícia Civil do antigo Estado do Rio de Janeiro. Quando foi transferido de uma delegacia de Niterói para a de Cabo Frio, virou notícia. Ele proibiu o uso de biquínis, com ameaça de prisão para as infratoras, e chegou a expulsar, das praias, todo cachorro que encontrava na areia. A tiros !
Mas, sua permanência na Região dos Lagos não durou muito. Foram tantas as reclamações ao chefe de Polícia que Bellot voltou à uma das delegacias do interior do estado. Ah, os biquínis e cães voltaram às praias.