Fiquei pasmo. O velho amigo, que não encontrava desde 2019, Zezinho Tesoura, me viu quando saia do laboratório de análises, no Méier. Quase esbarramos. Ele me reconheceu com toda a máscara que eu usava.
Mais velho dois anos, enxerga mais que coruja. Ele, sem máscara, com cabelos grisalhos - sempre usou um produto para escurecer os fios - foi logo me convidando para uma partida de Batalha Naval. Caramba,
lá se vão mais de quarenta anos que não escutava falar nesse joguinho. O cara é mesmo diferente.Ele nem perguntou sobre minha saúde, a pandemia, e outras pragas. Abriu uma pequena pasta e tirou o bloquinho
dos impressos do jogo. Céus, não existe mais para vender nas papelarias !

- Guardei um considerável estoque desses bloquinhos. - confessou. E foi me puxando para um barzinho, em rua perpendicular à Rua Dias da Cruz. Me convidou a sentar e fez o pedido ao garçom:
- Um litro de leite e dois copos, bem limpos.
Lembrei do samba do Noel, o famoso e imortal Conversa de Botequim. O pedido quase me deixou sem graça. Nunca havia visto alguém, em um bar, pedir leite para molhar a palavra. Reagi na hora. Pedi um café. Nunca, em tempo algum, alguém irá ver eu beber leite. Ainda mais, amigos, em um bar. E nem em hospital ! Eu detesto o produto. Sou do tipo que não mistura bebidas. Quero dizer que, nem café com leite. Entenderam?

Zezinho, entusiasmado, armou o joguinho na mesa e foi explicando: -Tem muito tempo que procuro amigo para jogar. Quando encontro, o cara não entende as regras e cai fora, me deixando frustrado.
Notei que fui o escolhido. Faz parte da vida. E, logo vi que o Nelson Ditadura apareceu. O cara é meio distante do grupo de amigos do bairro. Ele tem mania de espalhar fake news no grupo de zap. Bem,
chegou no bar, deu um alô e pediu água mineral. Ficou bisbilhotando o que eu e Zezinho fazíamos. Logo sacou o celular e passou mensagem, com imagens. Mais uma vez, notícia falsa: - tô vendo Luar e Zezinho
Tesoura escrevendo jogo do bicho em um bar no Méier!
Bolas, meu celular acusou ter recebido a mensagem. Faço parte do grupo e pouco respondo. Ou escrevo. Não sou tão atuante. Vez por outra, dou uma espiadinha.

O Nelson foi em frente, inventando até os números que eu estaria apostando. Não demonstrei ter recebido a falsa informação. E Zezinho continuou o jogo. Disfarcei e peguei meu celular escondido no envelope
do laboratório que trazia resultados de meus exames. Digitei uma falsa mensagem, no privado, para o Fernando Martelo: - me falaram que tem princípio de incêndio perto da casa, ou na casa do Nelson Ditadura. Você sabe disso? Será que é verdade? Fake News?
Pronto. Logo a notícia se espalhou. Claro que chegou até ao Nelson. Notei que o semblante dele ficou diferente, com cara de espanto, assustado e pálido. O cara correu para o banheiro do bar e, em
seguida, começou a enviar mensagens para todos, pedindo informações e confirmação da notícia do fogo. Claro, a notícia não foi confirmada. 
Na telinha, o rosto do Nelson estava transtornado. Logo Gordinho, ex-dono do bar, acalmou a rapaziada: - fake news! Tô em frente ao local. Tudo normal. Nada de incêndio. E, aí, amigos, o rosto do Nelson, olhos ainda arregalados, e um suspiro (talvez, de alívio), surgiu na imagem do zap. Em seguida o som, internacionalmente conhecido, da descarga do sanitário.
Ele saiu do bar, sem se despedir. Pedi mais um café, e continuei na Batalha Naval. Acreditem: uns coroas, no bar, pediram dicas de onde comprar os folhetos do joguinho.