Difícil fugir de assuntos sobre política e futebol. Bolas, quando consigo arranjar uma desculpa para sair de casa, sou bombardeado por amigos e vizinhos com esses assuntos que detesto. A saída, esfarrapada, é fingir estar usando o celular. Que, creiam, é um aparelho que abomino. Acho que a humanidade virou escrava desse aparelhinho irritante. Mas, para me livrar dos assuntos inconvenientes, apelo para ele. O assédio político-futebol é incrível. E, esse tipo de assédio não está no Código Penal. Bem, saí de casa com a ideia de comprar tinta para a impressora. Mas, com o cerco implacável dos amigos, entrei no bar, pedi cafezinho e ganhei tempo para raciocinar um plano para fugir do papo indesejável. Bebi o café, me dirigi ao banheiro. Antes, avisei à turma que me seguia: - Tô indo ao banheiro. Será que algum de vocês pode ajudar?
A pergunta deixou todos sem ação. Assim, consegui alguns poucos minutos sozinho, para pensar. E consegui! E deu certo. Só mesmo usando o blefe para escapar: - Amigos, vou deixar vocês agora. Recebi um zap da Secretaria de Saúde avisando que meu exame deu positivo. Tô com Covid! Vou ao posto,
agora.
Deu certo. Escapei rapidinho. Antes de sair do bar, ainda vi a rapaziada colocando as máscaras, e pegando as garrafinhas com álcool do estabelecimento. Pelo menos, eles ficaram quase protegidos. Desisti
da tinta da impressora. Voltei para a segurança da minha caverna.
Pouco tempo depois, enviei mensagens para os amigos: - Teste foi refeito e estou livre do vírus. Viva o SUS! E voltei à rotina. Logo recebi as respostas. E, logo os vizinhos apareceram na porteira. Ah, todos com máscaras. Por precaução, iniciei um papo bem atual: desmatamento, aquecimento global, o calor na Europa e por aqui, também, em pleno inverno. Deu certo. Ufa! Para reforçar meu plano, busquei no google mapas com os países que estão sofrendo com a mudança de temperatura e suas consequências. Ih, o tema dominou quase toda a manhã. Até ofereci cafezinho, sem biscoitos. Afinal, a crise mora com a gente. Acreditem, ainda recebi ajuda na colheita das folhas caídas no chão. Quando a conversa começou a ficar mais branda, resolvi esquentar o assunto: - Não esqueçam da malandragem em economizar o consumo da energia elétrica. Eu já esvaziei o freezer e deixei ele desligado.
Pronto, deu certo. Cada um tinha uma receita. E, reforcei o assunto: - Na Europa, as casas têm esquema de aquecimento. Nada de refrigeração. - Eita, mais lenha na fogueira (desculpem o trocadilho). - Lá, o calor é seco. Aqui, úmido. Essa diferença é terrível. Lá, em consequência, aconteceram centenas de mortos. - O papo rendeu. Me ajudaram até a lavar o carro. Oh manhã proveitosa.
E, eis que o tempo virou (outro trocadilho). A esposa do vizinha do Sul apareceu na porteira e, com as mãos nas cadeiras, esbravejou: - Bonito, né ? Lá em casa você não varre o quintal, não recolhe o lixo
e não ajuda em nada... Já pra casa, seu inútil!
Caramba. Espanto e silêncio geral. Não se ouviu nem os passarinhos. O vizinho que, cá entre nós, é metido a galanteador, caminhou em direção à mulher, cabisbaixo, saiu na porteira e caminhou rápido,
passando meio distante da patroa. Enquanto isso, o pessoal no quintal, acordou do susto. Foi quase hilário. Tratei de servir outra rodada de cafezinho. Amigas e amigos, a partir do esculacho, o trabalho não
rendeu mais nada. Aos poucos, os vizinhos foram se retirando. Afinal, não posso negar: o poder é das mulheres. Que bom. Eita ! Acabei de ser informado que o morador do Sul, o que foi expulso do quintal,
convidou vizinhos estrangeiros para denunciar tentativa de tomar o poder absoluto da família! Acho que o assunto vai acabar na ONU.