Saí de casa e encontrei o Temístocles, que nós chamávamos de Juvenal para facilitar. Ele estava de terno e gravata e tinha que ir ao Fórum. "Luar, vamos ao Fórum porque eu tenho que resolver um problema de pensão alimentícia", ele me disse.
E eu logo respondi: "Aguenta um minutinho aí que eu vou colocar o terno Pierre Cardin". Era o único que eu tinha e nem havia terminado de pagar ainda. Já o do Temístocles era da Ducal Roupas, onde comprávamos um terno e ganhávamos duas calças.
Naquela época, os homens usavam terno e gravata para trabalhar. A gente chegava no ônibus e estava lá o cobrador, sem o paletó, mas de gravata. E o motorista também, de gravata. Já as mulheres, com seus vestidos, saias godê e anáguas.
Uma delas começou a cantar um samba para a outra: "Te admiro muito você dando bronca/ Ora deixe disso, que é fogo na roupa". Bronca era um termo inventado na época. E, assim, lá estávamos no ônibus.
O Temístocles, com os seus 1,90m, e eu, baixinho de 1,66m, com um terno impecável. Ficava todo mundo olhando para a gente. E eu tentando não sujar o vestido godê de uma mulher com a cinza do meu cigarro. Ele me dizia: "Eu acho que você está chamando a atenção". Só que, a meu ver, quem chamava a atenção era ele. O terno dele brilhava mais do que eu. E eu, com o meu Pierre Cardin, fiquei possesso.
No Fórum, a mesma coisa. O terno Ducal do Juvenal fazia mais sucesso do que o meu, que nem estava quitado. E não resolvemos nada lá. Quando saímos, tirei o paletó e o Juvenal deu a ideia: "Vamos beber um chope?" No bar, encontrei a mulher que eu quase havia sujado o vestido godê no ônibus. Ela almoçava com o advogado que era contra a causa do Juvenal. E nos cumprimentamos. "A senhora estava no ônibus com a gente?", perguntei. "Sujamos o seu vestido?". Ela disse que sim. "Podemos reparar esse problema aí?", continuamos.
Pedimos um podrão e o Juvenal, então, olhou para mim de soslaio e disse: "É essa mulher que me botou na Justiça". E perguntamos para ela: "Você é a filha da Fulana?" Ela confirmou que sim. E o Juvenal afirmou: "Já namorei a senhora sua mãe". E eu completei: "Eu também".
Voltamos para o tribunal para tentar resolver o imbróglio. O juiz, doutor Fernando, havia dito para retornarmos outro dia. Mas resolvemos voltar todos juntos, naquela hora mesmo. E a mulher, com o seu vestido godê, com o advogado a tiracolo. "Vamos resolver isso aí, tal e tal. Cadê o doutor Fernando?", ela perguntou.
O juiz estava saindo para almoçar e nos encontrou: "E aí, resolvemos o problema?" E a jovem senhora propôs: "Vamos resolver". E o juiz completou: "Ainda bem que encerramos aqui a questão. Mas quem é quem?" E eu respondi: "Nem eu sei direito, só sei que acabamos todos juntos no Bar Simpatia, tentando dividir as despesas: do Fórum, do advogado e das cervejas".
E voltamos felizes para Água Santa.