Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

Os avisos em letras vermelhas e garrafais, afixados em locais estratégicos nas colunas do Bar do Feio, provocaram discussões entre os "sócios-atletas" que chegavam para assinar o ponto naquela manhã e
que ainda não haviam acordado totalmente. Dois, três, cinco, quase dez aposentados começaram a chegar e logo passaram a discutir o assunto que prometia rolar o dia inteiro: "Proibido discutir política no interior do estabelecimento'. Futebol, vida dos outros e fofocas estão liberados".
"Isso é censura !", alertou Nélson Ditadura, logo o Nélson, um dos mais exaltados dos fregueses. E, pronto, começou a discussão antes mesmo do cafezinho costumeiro. Caramba, eu passei ao largo, na calçada oposta, em direção ao Posto de Saúde para a quarta dose de reforço da vacina contra a covid-19, e pretendia seguir meu caminho. Bolas, alguém gritou meu nome e alertou o pequeno grupo de aposentados sobre a minha tática de não parar naquele momento: "Olha lá o Luar, tá passando de fininho!"

Júlio, que passou um pouco antes, em direção à oficina mecânica, havia enviado zap, alertando sobre
a, ainda, pequena aglomeração na porta do bar. Então, tratei de apressar o passo, caminhando mais rápido. Descoberto, mesmo assim, acenei e continuei a caminhada. Dei um olá e avisei que já voltaria para o café.
Demorei uns 40 minutos. E cheguei com o comprovante da dose de reforço em mãos (foi uma manobra para puxar o assunto para a vacina). Ninguém reparou. Virei para o Fred, com o olhar de pedido de ajuda e ele nem deu bola. Continuou a beber café sem açúcar e sem afeto. Ibiapina lia jornal, Adilsinho tratou de ouvir
música no celular. Os demais, já deveriam ser quase 15, me olhavam, parecendo que esperavam minha opinião sobre o tal "Decreto" estampado nas portas.
Ora bolas, eu não tenho costume de discutir. Meu negócio é ouvir. Posso até, quem sabe, dar um sinal de cabeça, apoiando ou não uma opinião. Detesto ser cobrado (quando nada devo, é claro). Então, após pedir
sanduíche de salaminho e um guaraná, ganhei tempo para acionar a massa cinzenta e acordar o meu raciocínio rápido: "Não precisamos entrar no bar. Podemos usar as mesas e cadeiras que ficam na calçada".
Para evitar dúvidas, expliquei: "Tecnicamente, estamos nas mesas da calçada, não estamos no interior da loja. Portanto, não desrespeitamos a proibição da gerência..." Pronto, a ideia surtiu efeito. Logo a paz
voltou ao ambiente. A rapaziada (?) iniciou o expediente. A calçada foi ocupada democraticamente e assunto não faltou, claro, com as discussões costumeiras e barulhentas.
Brasília, então, foi o prato do dia. A sobremesa, amigas e amigos, foi o alto e desesperador custo de vida. Bom lembrar que, o Bar do Feio está localizado em ponto, digamos assim, estratégico para o grupo exaltado dos amigos mais velhos. Qualquer problema de pressão arterial, ou outro mal cardíaco, a UPA do Engenho de Dentro está quase ao lado, uns 200 metros de distância.
Bem, aproveitei a discussão que acontecia, paguei minha despesa e bati em retirada. Tenho trabalho a fazer e esta cidade, como todos sabem, não para. No caminho para casa, passei no sacolão, comprei água de coco e fui cantarolando a melodia La Boheme, de Aznavour. Preciso ler os jornais, ver noticiários nas emissoras de televisão, varrer o quintal, alimentar os pássaros e passar informes para os colegas de O DIA.
Essa vida de aposentado está me cansando. Meu plano de ir morar na roça, virar fiscal da natureza, sofreu uma mudança radical: Eu não fui. Eu trouxe a roça. Na Água Santa, amigos, só falta a praia. Não temos hotéis cinco estrelas. Mas, temos a fonte de água mineral e o Presídio Ary Franco. Ah, aposto que, por aqui, há menos idosos do que em Copacabana.