Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco

O transporte de massa no Rio de Janeiro está complicado. Milhares de pessoas sofrem todos os dias com as falhas nos trens e nos ônibus. Parece que o problema é novo e a mídia badala os atrasos nas viagens diariamente. Furtos de cabos elétricos pioram o atendimento na malha ferroviária e os empresários dos ônibus alegam mil desculpas para o sumiço de linhas e do número de veículos nas ruas. Enquanto isso, o povão - quer dizer, nós mesmos - fica a ver navios (seria ótimo se pudéssemos usar navios nos transportes do dia a dia). Até as autoridades "competentes" não conseguem resolver o abacaxi.
Enquanto isso, que tal tentar lembrar de um samba, do Carnaval de 1941, que ficou quase esquecido no tempo e na poeira? Mas, foi redescoberto por cantoras e cantores quase, ou mais, de 20 anos depois. Pena que a letra só mostra o lado dos trens. Também, na época do lançamento, os ônibus eram poucos na cidade. É o 'Trem Atrasou', de autoria de Francisco Fárrea Júnior, conhecido como Paquito, e os parceiros Estanislau Silva e Arthur Vilarinho.
Um detalhe chama a atenção: a então Central do Brasil, a empresa ferroviária, fornecia um documento para o usuário mostrar e justificar o atraso ao patrão. Essa justificativa era chamado de memorando, onde funcionário da Central, escrevia o nome do passageiro prejudicado e seus dados pessoais, fornecendo o tempo de atraso. Acho que, hoje em dia, a comunicação, se fosse usada, seria por zap ou e-mail. Ih, fácil de falsificar...

O cantor Roberto Paiva foi o primeiro a gravar a música, em novembro de 1940. Mas o disco foi lançado em fevereiro seguinte, justamente para o Carnaval de 1941. Claro, sucesso garantido e o mais vendido na carreira do Roberto. Os foliões adoraram a obra. As emissoras de rádio ajudaram na divulgação (a Rádio Nacional levou o 'Trem Atrasou' para grande parte do país). Até mesmo Silvio Caldas embarcou no trem e gravou a música. O tempo, entretanto, quase fez o samba voltar às prateleiras. Eis que, Nara Leão, Demônios da Garoa (não confundam com o 'Trem das Onze', de Adoniran Barbosa) e outros tantos, pegaram carona na música e se deram muito bem.
Incrível que ela é sempre atual. Aliás, eu mesmo já contei aqui que, descartei o trem e usei o bonde para chegar em Campo Grande. E, eu
estava no Centro da cidade ! Nesta ocasião, estava trabalhando. Aconteceu um crime passional na Zona Oeste (chamavam de área rural). Um telefonema para a Delegacia Policial de lá demorava, no mínimo, duas horas para a telefonista completar a ligação. Isso se a linha estivesse desocupada. Então, foi mais prático ignorar o trem e pegar o bonde. O trem, no final dos anos 1950 e início dos 1960, já não era tão confiável. O velho bonde era o mais popular, barato, fresquinho e, porém, lento . Mas, nunca ninguém precisou pedir o memorando à empresa que explorava aquele meio de transporte para justificar atrasos.

Daí, em 1941, durante o Carnaval carioca, a música estourou e foi uma das mais premiadas daquela ocasião. Será que ainda existe alguém que lembre? Por favor, não estou indiretamente chamando amigas e amigos de idosos. Vejam que a música foi regravada muito tempo depois. Tô justificado? Então, para os mais novos conhecerem, pelo menos, a letra (ou versos, como queiram), vou deixar rolar nestas mal traçadas linhas.
Relembrem, também, os mais "experientes". Uma justificativa que gosto deixar claro: a onça fica velha mas não perde as pintas. "Patrão, o trem atrasou. Por isso estou chegando agora. Trago aqui um memorando da Central, o trem atrasou meia hora. O senhor não tem razão pra me mandar embora... O senhor tem paciência, é preciso compreender, sempre fui obediente, reconheço o meu dever, um atraso é muito justo quando há explicação. Sou um chefe de família, preciso ganhar meu pão. E eu tenho razão".
E, assim, vamos tentando, amigas e amigos, andar na linha. O trem tá atrasado ou já passou.