Enquanto eu escutava o dueto Dick Farney e Lúcio Alves, enfrentando o barulho de obras no vizinho do boreste, o som do sino da porteira, lá na frente do quintal, me tirou do ambiente da música Tereza da Praia (Tom e Billy Blanco) e me levou para a realidade. Ibiapina é um dos meus amigos madrugadores, assim como eu.
Caminhei até a entrada e, diante do sorriso costumeiro, foi logo indo ao assunto: "Amigo Luar, bom dia. Trouxe uma ideia que pode melhorar a vida dos companheiros boêmios aqui do bairro". Boêmios do bairro? Pensei em todos, inclusive eu e ele. Mas, somos boêmios diurnos, que dormem cedo, "com as galinhas", como diziam os mais antigos do que nós dois.
Mas, disposto a ouvir, abri o cadeado e ele entrou no quintal. Sentamos nas cadeiras ao redor da mesa do deck, ofereci um cafezinho e cruzei as pernas, pronto para ouvir. Ih, logo chegou outro camarada, o Fred, também madrugador. E foi entrando. Já não consegui ouvir as vozes do Dick e do Lúcio. Ficou longe, lá na sala da caverna. Ofereci biscoitos. Eita, chegou Nélson. Logo, o Júlio também adentrou no quintal. Hoje amanheceu agitado.
Eu só estava esperando o pedreiro, o Paulo César, também vizinho. É que, gatos de outros moradores da área, quebraram duas ou três telhas do telhado e, claro, houve vazamentos da água da chuva na laje da casa. Consequentemente, apareceram goteiras da última chuvarada. E o pedreiro foi o último a aparecer...
Pronto, arquivei a Tereza da Praia. Ainda pode surgir o Adilsinho. Ele gosta de ouvir as grandes orquestras norte-americanas, Tommy Dorsey, Benny Goodman, Les Brown, Glenn Miller e outras tantas. Muito bom, também. Mas, ele não veio. Alguém lembrou que era dia dele ver o netinho, o Theo. E ninguém conseguiria fazê-lo mudar de ideia. É um dia sagrado para Adilsinho...
Afinal, caramba, e a ideia do Ibiapina? Vamos ao tema: existe, por aqui no Rio de Janeiro, uma eleição, anual, para apontar a melhor comida de buteco (com a letra U). Uma manobra que reúne donos e gerentes de barzinhos, que apresentam pratos de tira-gosto. Há a escolha do melhor. Ibiapina, entretanto, pensando nos bebedores, resolveu que poderíamos adaptar a ideia. Ele chegou até a fazer uma preleção sobre os bebedores, dizendo que os profissionais vão aos bares para beber. "Não vão para comer ou discutir".
Com a palavra, nosso querido Ibiapina. Silêncio total na mesa. Bem, quase. Só o barulho que vem da obra ao lado e que não iria atrapalhar na explanação do amigo. "Gente, a tal pandemia deixou a todos isolados. Apesar de, vez por outra, furamos o bloqueio e nos reunimos". Atenção total do grupo. Nem o barulho da mastigação dos biscoitos atrapalhou. E Ibiapina continuou: "Que tal iniciar uma eleição aqui, somente nossa? Vamos mapear os botequins, da Chave de Ouro até aqui, na Água Santa". Palmas, gritos e apupos no grupo.
Parece que a ideia iria ser ouvida, até o final da explicação. "Ao invés de Comida de Buteco (com a letra U) vamos fazer a Bebida de Boteco (com a letra O). Afinal, não faltará provadores... Mais palmas ! Céus, começaram a falar ao mesmo tempo. Ideias e mais ideias. Então, Fred, com todo sotaque suíço, gritou alto: "Malucos. Esqueceram que, a maioria, usa remédios de uso contínuo?". Como juntar os jurados, que têm obrigação de provar os "produtos" dos botecos, sem prejudicar a saúde?
Silêncio total. Segundos eternos separaram a explicação do Nélson: "É só dar folga nos remédios por dois dias, antes das provas. Depois, voltamos aos remédios". E finalizou em grande estilo: "Poderemos, depois, fazer uma eleição do tipo de remédios que funcionam, mesmo com dias de folga".
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