Incrível o que vi na última ocasião em que saí da caverna. Arranjei desculpa para sair do cativeiro. A maioria das pessoas sem máscara nas ruas. E, em uma drogaria, no Méier, uma senhora, daquelas tipo lobo em pele de cordeiro, aos gritos e se recusando a usar, ameaçando chamar a polícia. Em pleno tumulto, não me contive e ri. Tratei de bater em retirada com pressa de voltar ao abrigo do lar. Depois do banho desinfetante, e deixar roupas e sapatos para serem lavados, caí na rotina. Encomendei os medicamentos pelo telefone. Fui logo varrer o quintal. E, em consequência, ter contato, de longe, com a vizinhança.
Então, aproveitei para fazer uma enquete sobre as medidas higiênicas-sanitárias que ainda estão em vigor. Claro que não demorou a aparecerem os primeiros moradores.
— Ô Luar, você saiu cedo de casa? Tá passando mal? Precisa de ajuda?
O vizinho de bombordo foi o primeiro. Logo entrou no circuito o de boreste: — Fugiu de casa? Não vi o carro na garagem quando passei por aqui, mais cedo.
É uma marcação terrível E, em menos de 3 minutos já havia uns quatro em frente da porteira. Então comecei a pesquisa.
— Tô vendo que somente um de vocês está usando máscara de proteção contra o vírus... A pandemia acabou e não fui avisado?
O desempregado profissional, malandro e intrometido foi logo reclamando que as vendas de máscara, confeccionadas pela mulher, estavam em baixa. — Melhor você botar no jornal que a população ainda tem que usar em ambientes fechados.
É verdade. E começou o debate. Usa ou não? Ih, em poucos minutos, uns 8 moradores, incluindo o padeiro (que estava usando), faziam algazarra. Encostei a vassoura, tirei os fones de ouvido — escuto noticiários no radinho de pilhas — e apreciei o debate com atenção. A patrulha da PM passou e um dos policiais fez sinal de alerta. Sorri e a patrulha seguiu em frente. Os policiais não usavam máscara. O debate quase escapuliu para o futebol. Aí, entrei em ação: — Futebol não está na pauta! Mas, lembrem de quantos jogadores já foram atingidos pelo Covid — quase silêncio.
O vizinho de frente se aproximou, sempre reclamando do horário do padeiro e, sem máscara, deu sua opinião: — Quando saio de casa, uso a coisa. Minha família, também.
Mais discussão. Pelo menos, a turma esqueceu do futebol. E, eis que surge o mascate vendedor de legumes e verduras! O cara usa megafone para anunciar seus produtos. Por pouco abafou o som do debate. Não resistiu: entrou no papo. Continuei do lado de dentro do quintal, separado pela porteira, já usando máscara, tentando sair do debate.
Bolas, estou trabalhando. A cidade não para. Desisti da enquete, peguei a vassoura e continuei a varrição. Mas, o vizinho dos fundos, atraído pelo som de vozes exaltadas, apareceu com um jornal em punho. E foi gritando: — Olhem aqui. O número de mortes voltou a subir. Vê lá se na arquibancada do Maracanã, a rapaziada usa máscara? Duvido. 
Para finalizar a sua entrada, sentenciou: — Só os idiotas não veem que a peste ainda está ativa — e se retirou, jogando o jornal para o alto. Caramba, jogou pesado. Atirou gasolina na fogueira e pulou fora. Então, achei que estava na hora de tentar acalmar os ânimos. Aos gritos, consegui ser ouvido: — Estão convidados para um cafezinho no deck do quintal. Ah, com uma condição: todos de máscaras! Eita. Começou a confusão... Tentei amenizar: — Os super-heróis também usam.
E, somente a aglomeração se dissipou com a chegada do pastor, vizinho também. Ele costuma aproveitar, quando vê a turma reunida, para lembrar que muitos ainda não contribuíram com o dízimo do mês. Foi o bastante. Os amigos bateram em retirada estratégica. Ufa, manhã agitada na Água Santa.