Ah, os amigos... O que seria de nós sem eles? Andei sumido por um mês. Escondido no fundo da caverna. Nem as mensagens do tal de zap eu respondi. Bem, somente raríssimas exceções, incluindo filhas. Parece que alguns amigos e vizinhos andaram sumidos, também. Todos abduzidos. Resolvi, entretanto, decretar sigilo por cem anos sobre os motivos do meu sumiço. Pronto, não falo sobre os motivos da clausura.
A curiosidade é incrível e, por isso, fui pesquisar os motivos dos sumiços dos outros. Por exemplo, o Januário, vizinho superdiscreto, de poucas palavras e presença, entrou em depressão. Talvez a pandemia tenha contribuído. O padeiro Demerval, que faz entregas diárias do pão e leite, sussurrou entre os dentes tão logo me viu no quintal — logo que resolvi voltar à vida — que Januário teria apelado para o Rivotril.
A mulher dele estava conversando com uma vizinha e eu, sem querer, acabei escutando parte da conversa:
— Então, pelo que notei — disse baixinho — foram uns oito ou nove fregueses que andaram desaparecidos. Incluindo o senhor...
Nem respondi. Para os amigos leitores, vou contar: estava de férias, acho que merecidas, e desliguei o mundo! Fiquei longe dos noticiários, das guerras, das tragédias, das festas e da fome no mundo. Pelo que apurei, no regresso, nada mudou. Nem eu. O Fred se mandou para o Pantanal. Ficou uns quinze dias por lá. Vez por outra enviava uma foto. O Nelson, telefonou ontem e disse que estava resfriado e com medo do Covid. Daí, resolveu ficar quietinho em casa. E, saibam que ele não usa o zap. Só o telefone. Adilsinho, não sei por quê, não respondeu mensagens. Cesário passou por uma pequena cirurgia mas manteve contato. Acho que foi um dos poucos, incluindo o Max, que deu sinal de vida.
O Júlio, pelo que apurei, está bem e não parou de trabalhar. Ele pouco usa o zap. Que bom. Vez por outra, falamos ao telefone. O vizinho de boreste, pelo que parece, está no Nordeste visitando parentes da mulher. O de estibordo, pelo que o padeiro me contou, pediu divórcio e está em local não sabido.
— Acho que foi a pandemia que causou a separação do casal — informou Demerval.
Fingi que não escutei. Mas desconfiei que, diante de tanta conversa fiada, Demerval estava de olho no pé de nêspera. Claro que acertei!
— Ô seu Luar, posso pegar umas frutinhas? Nem na feira tem pra vender...
Abri a porteira e ele apoiou a moto que usa nas entregas como mascate.
Fez a limpa no que conseguiu. Bem, as frutas mais no alto, ainda bem, ficaram para as ararinhas. Também, o vizinho de frente, que esperava o pão matinal, viu a cena e reclamou: — Ô Demerval. Tô esperando a entrega. Os filhos precisam lanchar e ir para o colégio! Eu pago o pão e leite na bucha. Não penduro como certos vizinhos.
Ih, caramba, tem pendura na área. O padeiro tem um caderninho, protegido por saco plástico, e uma caneta esferográfica guardada na orelha esquerda. É o livro-caixa. Ele me disse que, para os fregueses que demoram a pagar, usa caneta com tinta vermelha...
Bem, como voltei à vida, varri o quintal e pratiquei caminhada em volta das frutíferas. Demerval fez a entrega e foi à luta. Esperei pelo sol, que não apareceu. Peguei umas poucas pitangas e entrei para o desjejum. O refresco da frutinha é uma delícia. O tempo frio e chuvoso é propício aos resfriados. Mesmo vacinado, procuro fornecer ao organismo a tão necessária vitamina C.
Larguei o quintal de lado e me refugiei no fundo da caverna. É que escutei o som do vendedor de pamonha. Irritante a voz do cara no alto falante, apregoando seu produto. Até sei a ordem dos mascates aqui na rua: primeiro o padeiro, seguido do cara da pamonha, que antecede o da kombi do ferro-velho, que é seguido do peixeiro. O que vende sorvetes anda sumido. Mas o verdureiro não falha. É sempre o último. Bem, eu continuo como quase eremita. Afinal, a pandemia não acabou. Será que todos sabem disso?