Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos MartinsPH Freitas / Divulgação
"Nossa relação com o comércio exterior é como um tubo entupido que não funciona há anos."
Em entrevista, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) faz um panorama sobre como o setor foi afetado por acontecimentos recentes
O custo de insumos para construção cresceu quase 50% desde julho de 2020. Ao mesmo tempo, o PIB do RJ aumentou 7,4% (o maior valor desde 2010) em relação a 2021. Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins comenta sobre os impactos da Covid-19 e de questões mundiais na área, e como isso pode afetar o preço dos imóveis e as perspectivas do setor. Em entrevista a O DIA, ele fala sobre as consequências da guerra na Ucrânia para o Brasil. "O setor de construção não conseguiu se organizar como o automotivo", destaca, ao defender a expansão da importação de insumos.
O DIA: Como a Covid-19 afetou a área de construção?
JOSÉ CARLOS: No primeiro momento, as empresas encolheram. Mas as famílias passaram mais tempo em casa e redescobriram a importância de investir em manutenção. O mercado então aqueceu, elevando o custo de materiais. Desde o começo, a CBIC defendeu um choque de oferta: que a indústria já se preparasse com encomendas, como de aço, para poder suprir a demanda. Mas não houve isso. Os custos explodiram, e muitos não estavam preparados.
Segundo uma pesquisa do CNI, o setor estava otimista em fevereiro, atingindo o maior patamar desde o pré-pandemia. Como o senhor avalia o momento agora, com a guerra na Ucrânia?
Hoje, a euforia é baseada num bom mercado de vendas anterior, mas a baixa atual vai se refletir no futuro. Em 2021, vendemos muito bem, com contratações de obras públicas e particulares, que já foram entregues. A guerra afeta o futuro na questão do aumento dos custos. O custo básico de uma empresa de terraplanagem, por exemplo, é de óleo diesel e asfalto. Enquanto os insumos estão subindo mensalmente, o contrato só pode ser reajustado uma vez ao ano.
A elevação do preço de commodities devido à guerra tende a afetar o mercado da construção?
Nossa relação com o comércio exterior é como um tubo entupido que não funciona há anos. O minério de ferro sai daqui, é beneficiado no exterior, para depois voltar manufaturado — mesmo assim, ainda sairia mais barato do que a compra local. O setor de construção não conseguiu se organizar como o automotivo, por exemplo, que importa cerca de 30% dos insumos e consegue ter acesso à queda internacional de preços, enquanto arcamos com valores injustos. Se importássemos aço, por exemplo, pagaríamos 24% a menos. Precisamos criar canais mais ágeis para se trabalhar com o mercado exterior.
Como o senhor vê o efeito da Operação Lava-Jato sobre a construção civil?
O setor não foi afetado e sim um grupo de empresas cartelizadas que nunca nos representaram – fizeram estádios e usinas com preços altíssimos. O estádio Mané Garrincha, em Brasília, é emblemático. Ele não foi custeado pelo BNDES, mas pelo governo distrital — que, por conta disso, ficou sem pagar as outras construtoras por dois anos.
E quais foram os efeitos práticos do que aconteceu?
Tivemos uma grande retração. Dos 3 milhões de trabalhadores, fomos reduzidos a 2 milhões: perdemos um terço do nosso tamanho. A partir do governo Temer, começou uma estabilização, após mais de 150 mil unidades serem paralisadas. Aquilo foi um trauma muito grande, e estávamos nos recuperando passo a passo quando chegou a pandemia.
O aumento da taxa Selic vai impactar nos financiamentos de imóveis?
Ela só tem influência sobre as linhas de crédito atreladas à poupança, que são destinadas a imóveis mais caros. Para as famílias de baixa renda, o financiamento se dá pelo FGTS, e, nesse caso, a mudança da Selic não vai interferir. Inclusive, temos boas perspectivas nesse segmento. Atualmente, um número menor de famílias têm acesso aos subsídios do Casa Verde e Amarela, mas são justamente as que realmente precisam deles, pois não conseguem pagar sozinhas a casa própria. O volume de recursos públicos investidos é o mesmo, mas os subsídios repassados a cada comprador aumentaram, possibilitando a essas famílias efetuarem a compra. O grande temor não está na alta de juros em si, mas no custo do material utilizado.
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