Rogério Veiga, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, com passagens pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à FomeArquivo pessoal

Rogério Veiga é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, além de já ter passado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Em entrevista a O DIA, ele explica o contexto em que o país está inserido em termos de políticas públicas para a redução da desigualdade. Além de discutir caminhos para combater a pobreza, ele analisa programas sociais como Auxílio Brasil e Bolsa Família, levantando os aspectos positivos e negativos de cada um. "É necessário desconstruir a ideia de que a política de transferência de renda é de curto prazo. A nossa geração não vai ver a possibilidade de abrir mão desse tipo de incentivo", reitera.
O DIA: Qual é, na sua opinião, a agenda mais urgente para o país?
ROGÉRIO: A economia brasileira precisa crescer — sem isso, não temos como aumentar a renda per capita e nem sermos eficientes no combate à pobreza. Mas esta é uma agenda permanente, que não se resolve no curto prazo. Nesse percurso, precisamos construir políticas de proteção social que sejam pilares para o crescimento da economia e atuem como um mecanismo para o crescimento ser distributivo, reduzindo as desigualdades. É necessário desconstruir a ideia de que a política de transferência de renda é de curto prazo, até resolver um problema, e depois vai acabar. A nossa geração não vai ver a possibilidade de abrir mão desse tipo de política.
O valor de R$ 600 do Auxílio Brasil é uma renda básica?
O Bolsa Família direcionava aproximadamente 0,5% do PIB à distribuição de renda para os mais pobres, e há um consenso de que é pouco, então precisávamos ampliar os investimentos. O Auxílio Brasil já representa 1,5% do PIB, logo, conseguir manter esse percentual é um ganho. Aumentar o valor que o Brasil investe na transferência direta faz parte das mudanças necessárias para o programa ser mais efetivo e agir como uma correia de transmissão do crescimento da economia. Mas o programa tem problemas de desenho: o principal é o valor fixo. O antigo desenho do Bolsa Família se mostrou mais adequado, por vincular o valor recebido ao número de componentes da família. Sem isso, estimula-se a mentira no cadastro, no sentido de separar as famílias para conseguir mais auxílio.
O que é necessário para melhorar a transferência de renda?
Não podemos mais ter fila: qualquer que seja o programa, ele precisa ser transformado em um direito. A transferência de renda precisa se transformar em um colchão para proteger os mais vulneráveis, que não podem ficar esperando. Uma das características das famílias mais pobres é a volatilidade da renda: qualquer evento pode jogá-las na extrema pobreza. Então, as filas são ainda mais maléficas em momentos como a crise atual. A manutenção do poder de compra do valor é outro ponto. É preciso ter mecanismos de reajuste, tanto dos critérios para a família ser admitida no programa, como do valor do benefício. No mínimo, é preciso garantir a correção da inflação.
Qual a importância das condições dessas políticas?
A obrigação de matricular as crianças na escola e manter a vacinação em dia era um dos traços mais importantes do Bolsa Família. As pessoas viam quase como uma punição, mas mostrava a importância de fazer com que o Estado monitore e acompanhe as crianças fora da escola, e faça algo para elas se manterem lá. Atualmente, houve um desmonte dessas exigências e vemos um aumento muito grande na evasão. Assim como temos visto a redução da cobertura vacinal para doenças como pólio e sarampo.
Como garantir a continuidade dessa política pública?
Apesar de ter havido momentos na história em que o programa de transferência de renda sofreu críticas muito pesadas, ele se consolidou. Tentamos ao máximo evitar o uso eleitoreiro explícito, mas ainda com esse uso, olhando o copo meio cheio, ele se fortaleceu a tal ponto de ter um investimento maior. Para que haja permanência, é necessário apoio popular, que hoje está em todo o espectro político. Ao mesmo tempo, temos que garantir um desenho melhor. Outra maneira é espalhar na sociedade a visão de que o Brasil precisa crescer e distribuir essa riqueza — ressaltando que todos são beneficiados, e não só os mais pobres.
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