Josier Vilar - Divulgação/Alessandro Mendes
Josier VilarDivulgação/Alessandro Mendes
Por Sidney Rezende
O estado do Rio de Janeiro viveu nos últimos meses sérios impactos na política e isto trouxe consequências na forma como o setor de Saúde se comportou no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Primeiro, o afastamento do governador Wilson Witzel, acusado de permitir corrupção e desvio de recursos públicos que deveriam ser utilizados em hospitais de campanha para bloquear o avanço da Covid-19. Mais tarde, o prefeito Marcelo Crivella perde a eleição e, antes mesmo do segundo turno, alertou que o desmonte da equipe pelo sucessor poderia aprofundar a crise epidêmica. Buscamos explicação como sair deste nó. Fomos ouvir um médico por formação focado na busca por melhores soluções de Governança e Gestão para o setor de saúde para nos contar o que ouvir dos especialistas sobre as medidas para ser adotada. Josier Vilar, presidente da Iniciativa Fórum Inovação Saúde (FIS), foi direto ao ponto. Conheça suas recomendações.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que a vacina da Pfeizer poderá ser aplicada já em dezembro. Isto é legalmente e tecnicamente viável?

Isso é marketing político. Não temos um plano vacinal, de aquisição, rastreabilidade, guarda e aplicação da vacina. O Ministério ainda não organizou isso. Portanto, tecnicamente é muito pouco provável. Legalmente, se a Pfizer pedir emergência vacinal, a Anvisa pode liberar em 72 horas.

Você tem conversado com especialistas em Saúde de todas as áreas: Quais as recomendações mais importantes e viáveis que se poderia trazer agora para reflexão sobre a pandemia?

A pandemia nos deixa dois grandes ensinamentos. O primeiro está relacionado à importância da boa comunicação. Infelizmente a comunicação do Ministério da Saúde tem sido muito ruim. Não se pode deixar dúvidas na população sobre o que fazer. Não podem existir várias opiniões distintas sobre o mesmo tema. A população se pergunta: em quem acreditar? E, na dúvida, é da natureza humana que as pessoas tendam a fazer o que elas gostariam que fosse verdade. É um negacionismo natural. Todos desejam que a vida seja mais simples, que o vírus seja impotente diante de nós, que tomar um chope com os amigos não tem importância, mas infelizmente a realidade é outra. E a autoridade sanitária tem de ter liderança, credibilidade e uma comunicação correta para com firmeza e tranquilidade alertar e orientar a população para o melhor caminho. Infelizmente, o Brasil vive uma guerra de egos, e isto não acontece. O outro grande ensinamento que a pandemia está nos deixando é que não podemos ser tão dependentes de insumos e medicamentos do exterior. Não é razoável que tenhamos em nome da globalização da economia, abandonado nossas indústrias e passado a comprar tudo da China e da Índia. Agora com a Covid, vimos que erramos. Temos de ter uma produção própria de insumos que reduza essa dependência do exterior. O que vimos durante a pandemia é que a solidariedade entre países globalizados é muito relativa. Os Estados Unidos, a China, a França disseram claramente: "farinha pouca, meu pirão primeiro", e ficamos meses lutando contra a Covid sem ter respiradores, máscaras, luvas, monitores etc. Agora é uma grande oportunidade para o Brasil começar a construir seu estoque estratégico, fomentando a indústria da saúde nacional.

Haverá necessidade de se retomar os hospitais de campanha?

Acho que não. Não existe clima político para se propor isso. Houve muita corrupção na construção deles. A reputação dos gestores públicos no Rio foi ao chão.Temos é de equipar os hospitais públicos existentes para atenderem a alta demanda que se aproxima.

Há diferença de providências a serem tomadas pelos diferentes poderes: federal, estadual e municipal?
O que eles precisam é deixar de lado suas idiossincrasias, seus egos e interesses eleitorais e colocarem o cidadão como foco principal, se integrando e otimizando os poucos recursos existentes. Ninguém aguenta mais esse negócio da Covid Federal, Covid Estadual e Covid Municipal. Não se ganha um jogo individualmente quando o interesse é coletivo.

Por que o Rio de Janeiro perdeu o rumo e o número de infectados e mortes aumentou?

O Rio de Janeiro vive uma crise reputacional em sua governança. Faltou credibilidade e orientação adequada. As pessoas abandonaram as medidas preventivas e o resultado já era esperado. Não houve um planejamento correto para se fazer um controle através de uma testagem geral da população para identificar os contaminados e prevenir suas famílias e amigos. Aliás, planejamento na saúde tem sido um fator ausente em todas as esferas. Noé não fez a arca durante o dilúvio. Ele planejou e projetou essa hipótese certamente e já tinha construído uma arca quando o dilúvio chegou.

Qual o impacto da saída do governador Witzel para a Saúde do Rio de Janeiro?

Fora a decepção de muitos com os rumos que a gestão da saúde em seu governo tomou, uma interrupção de política pública sempre é ruim. O Rio ficou desgovernado, mas as ações de saúde que foram tomadas, aparentemente não foram para atender as necessidades da população.

Qual a contribuição da Fundação Oswaldo Cruz para pesquisa que possa ser útil ao combate à Covid-19?

A FioCruz é um orgulho do país e do Rio de Janeiro. Ela tem dado uma grande contribuição para o tratamento da Covid com a construção de um hospital permanente para doenças infecciosas além de estar totalmente envolvida na produção da vacina contra Covid em parceria com o laboratório Astra Zeneca - Universidade de Oxford. A FioCruz merece o respeito e o aplauso de todos os brasileiros.

O prefeito Marcelo Crivella perdeu a eleição e ele ficará até o fim do ano. Isto causou algum impacto no combate à doença?

Acho que não. Infelizmente o prefeito Crivella tinha uma grande rejeição da população carioca. Digo infelizmente, porque numa hora de crise como a Covid, seria muito importante termos um prefeito alinhado com os interesses da população e que pudesse liderar a todos para o melhor caminho.

Quais as recomendações que eu o senhor daria ao novo prefeito Eduardo Paes? O que ele precisa fazer para que a Saúde em geral funcione melhor?

Eduardo Paes no dia seguinte à eleição deu uma entrevista dizendo que não haverá lockdown em seu governo. Acho que foi uma declaração desastrosa. Ele deveria ter dito que quando assumir vai ouvir a ciência e avaliar os fatos e dados e que tomará as melhores medidas que forem politicamente viáveis. Não se pode governar a saúde sem a ciência. Ainda assim, tenho muita esperança que seja um ótimo prefeito. É líder, ama a cidade e tem tudo para dar certo. Vamos torcer. Vamos cobrar.