Mauro Osório - Divulgação
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Por Sidney Rezende
O professor Mauro Osório pertence ao seleto grupo de acadêmicos que une teoria e prática quando o assunto é entender os graves problemas do estado do Rio de Janeiro. Títulos não lhe faltam. Bacharel em Economia pela UFRJ (1979), Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ (2004) e professor Associado da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, desde 1994, aprovado em primeiro lugar por concurso de provas e títulos. Provocado a refletir as raízes da decadência do Rio de Janeiro, Osório deu várias explicações. Uma delas, bem curiosa: "A transferência da capital [para Brasília] ocorreu sem compensações federais. O Rio até hoje tem pouca tradição de reflexão regional. Isso nos leva a diversos equívocos nos diagnósticos e no desenho das estratégias, quando elas existem. O golpe de 64 e as cassações atingiram particularmente a lógica política do Rio. A historiadora Maria Helena Versiani mostra em sua dissertação de mestrado que a bancada federal eleita pelo Rio em 1962 tinha tradição de participar dos debates nacionais. Já a eleita em 1970 fazia hegemonicamente discursos clientelistas".

Como começa a crise estrutural do Rio?

O Rio que conhecemos nasce como porto e fortificação militar, como aponta Carlos Lessa no livro “Rio de todos os Brasis”. Posteriormente, vira a capital do Brasil. A partir da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, o Rio se moderniza e, usando o conceito do historiador de arte Giulio Argan, vira o eixo da capitalidade brasileira, passando a ser a principal referência internacional do país. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira, em média, dobra de tamanho a cada dez anos. Quem “puxa” esse dinamismo é São Paulo. No entanto, o Rio, como capital do país, sede de empresas nacionais e internacionais que atuam no Brasil, principal centro financeiro e cultural, acompanha o dinamismo brasileiro. Porém, a partir da transferência da capital para Brasília, a cidade e o estado do Rio passam a ser lanterna em termos de dinamismo econômico.

Esse é o único motivo da decadência do Rio?

Não. Além da transferência da capital, que ocorreu sem compensações federais, o Rio até hoje tem pouca tradição de reflexão regional. Isso nos leva a diversos equívocos nos diagnósticos e no desenho das estratégias, quando elas existem. Além disso, o golpe de 64 e as cassações atingiram particularmente a lógica política do Rio. A historiadora Maria Helena Versiani mostra em sua dissertação de mestrado que a bancada federal eleita pelo Rio, em 1962, tinha tradição de participar dos debates nacionais. Já a eleita em 1970, fazia hegemonicamente discursos clientelistas. Isso traz problemas para a lógica de gestão no estado e nos municípios fluminenses, o que é mais um problema no círculo vicioso que o Rio atravessa, principalmente desde a década de 1970.

O que ocorre com o Rio na crise política e econômica pela qual o país passa desde 2015?

O Rio, por sua trajetória, já entra nessa crise brasileira de forma mais frágil. Além disso, sofre questões específicas e sua economia afunda. Em primeiro lugar, em 2015, o preço do barril do petróleo despencou, passando de US$ 112,36, em junho de 2014, para US$ 37,28, em dezembro de 2015. Isso afeta sobremaneira a receita fiscal do governo do estado e de várias prefeituras. Em segundo lugar, a política liberal, a partir do governo Temer, com forte enxugamento da Petrobras e a paralisação que a empresa sofre com as investigações da Lava-Jato também afetam a economia do Rio. Isso sem falar que várias das empreiteiras investigadas também têm ou tinham sede no Rio. Além disso, o fim dos megaeventos deixam diversas dívidas bancárias para a Prefeitura do Rio e, com o fim das obras, o emprego na construção civil despenca.

Como evolui o emprego no Rio a partir de 2015?

A cidade e o estado do Rio têm uma trajetória de ocupação e emprego dramática, entre 2015 e 2020. Entre janeiro de 2015 e dezembro de 2020, pelos dados do Ministério da Economia, o estado do Rio de Janeiro perdeu 702.148 empregos com carteira assinada. Ou seja, o estado do Rio sozinho representou quase 50% do total de empregos com carteira assinada perdidos no país, de 1.593.541 empregos. A cidade do Rio perdeu mais empregos do que a cidade de São Paulo, apesar da economia da cidade de São Paulo ser mais que duas vezes maior do que a economia da cidade do Rio.

Como está a situação fiscal do Rio?

O estado do Rio de Janeiro atualmente se beneficia de uma legislação votada pelo Congresso Nacional que libera o estado de pagamento de suas dívidas até 2026. Essa suspensão de pagamentos foi o principal motivo que permitiu recolocar o salário do funcionalismo estadual em dia. Alguns pensam que o problema fiscal no Rio se resolve com apenas cortes de despesas. Ledo engano. A crise no estado do Rio de Janeiro é principalmente de receita. De acordo com dados do Governo Federal, o estado do Rio de Janeiro, apesar de ter o segundo PIB do país e o terceiro PIB per capita, está apenas na 17ª posição em termos de receita estadual per capita em um ranking das unidades federativas.

Por que isso?

Porque o Rio, pelo baixo dinamismo econômico que apresenta desde os anos 1970, tem pouca base para arrecadação de impostos. Além disso, o Rio não pode se beneficiar de receitas de ICMS quando o petróleo é extraído do litoral fluminense. Ao contrário de quase todos os demais bens e serviços, o ICMS sobre a extração do petróleo é cobrado no destino (onde é consumido) e não na origem (onde é produzido). Por último, mas não menos importante, nos estados do Rio e de São Paulo, o governo federal arrecada muitos impostos e devolve muito pouco. No caso do Rio, arrecadou em 2019 R$ 174 bilhões e devolveu para o governo do estado e as prefeituras apenas R$ 36 bilhões. Pela decadência do Rio desde os anos 1970, é um equívoco o atual pacto federativo continuar a tratar esses dois estados como igualmente ricos. Em Minas Gerais, o que o governo arrecada e devolve é praticamente igual.

Como reverter essa crise estrutural?

É importante discutir os sistemas produtivos em que o estado do Rio de Janeiro tem mais potencialidades e como utilizá-los de forma adequada. Através da Assessoria Fiscal da Alerj, fizemos uma Nota Técnica em que mostramos que 80% dos fornecedores da Petrobras estão fora do estado do Rio de Janeiro. Além disso, mais de 50% do gás extraído do pré-sal na Bacia de Santos é reinjetado. Além disso, a Assessoria Fiscal está realizando uma nova Nota Técnica sobre o Complexo Econômico Industrial da Saúde-CEIS. A pandemia mostrou como é importante ampliar a produção de produtos e serviços vinculados à saúde no país. O Brasil gasta com importações, atualmente, de acordo com o economista Carlos Gadelha, da Fiocruz, perto de US$ 20 bilhões/ano. O estado do Rio de Janeiro ainda possui uma indústria farmacêutica significativa. Aqui estão o Instituto Vital Brazil, grupos de pesquisa extremamente importantes na área de saúde e a Fiocruz, que no momento inicia a implantação de uma nova planta industrial em Santa Cruz.

Há uma convicção corrente da importância do Turismo para o Rio de Janeiro. É possível pensar o setor de forma mais abrangente? É viável atrelar o setor turístico aos polos culturais?

Existem muitos sensos comuns equivocados na reflexão sobre o Rio. Por exemplo, quem sabe que o Rio é a cidade no estado que mais gera ocupações na agropecuária, entre os 92 municípios fluminenses, de acordo com o Censo de 2010? O turismo tem como crescer muito no estado, no entanto o seu tamanho atual é bastante pequeno. Só cinco municípios do estado vivem principalmente do turismo: Búzios, Paraty, Itatiaia, Mangaratiba e Arraial do Cabo. Na cidade do Rio, de acordo com dados do Ministério da Economia, existem apenas cerca de 20 mil empregos com carteira assinada em hotéis e pousadas. No mês do Carnaval, o ISS na cidade do Rio não é maior do que na média dos demais meses do ano. Isso pelos seguintes motivos: somos uma cidade de mais de seis milhões de habitantes. Muita gente vem gastar dinheiro no Rio, no Carnaval, mas muitos moradores saem do Rio ou ficam em casa. Além disso, na semana do Carnaval, a grande maioria das atividades e serviços na cidade do Rio fica fechada e, portanto, não gera receita de ISS. É importante desenhar uma proposta sistêmica de apoio ao turismo no estado do Rio, que busque integrar as atrações de mar, montanha, culturais e históricas existentes no estado e articular essa política a outras atividades indutoras no setor serviços, na cidade do Rio, como esporte, entretenimento e cultura. Sobre isso, fizemos um livro para o Sebrae intitulado “Atividades indutoras do setor serviços no estado do Rio de Janeiro”.

A milícia e o tráfico são focos de poder que vieram para ficar? É possível derrotá-los?

É claro que é possível derrotá-los. O Rio de Janeiro tem uma dimensão de problemas com milícia e tráfico que não existe nas demais unidades federativas. É uma questão de vontade política e organização de uma estratégia que leve à reversão dessa situação, à melhoria da qualidade de vida e facilitação da vida econômica, e, principalmente, à preservação da vida de jovens e crianças, principalmente pobres e negros.