Átila Nunes - Divulgação
Átila NunesDivulgação
Por Sidney Rezende
Ex-aluno do Colégio Militar, o deputado estadual Átila Nunes jamais imaginaria que um dia se tornaria um político tão longevo. Jornalista, radialista e advogado, Átila Nunes completou 50 anos de vida pública, cumprindo seu 13º mandato. Já exerceu quase todos os cargos nos poderes legislativo e executivo, tendo testemunhado a ascendência e a derrocada das mais importantes figuras políticas do Rio de Janeiro. De tudo que aprendeu vivendo o dia-a-dia da política, consegue resumir numa frase o que se tornou o seu principal mantra: "Nunca subestimar, mas também nunca superestimar alguém". Nesta entrevista ao jornal O DIA, Átila diz que o prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes, não precisa de conselhos. "Sabe o que tem que fazer e deixar de fazer. Vai reconstruir o Rio. A gestão Crivella foi tão ruim, tão ruim, que qualquer ação mostrará a diferença", compara. Sobre o governador Cláudio Castro, Átila acredita que ele pode ser candidato também em 2022. "Aparentemente, diante do que testemunhou no início do governo, está desapegado a fanfarronices que beiravam o ridículo. E, se acertar as contas públicas, se credenciará à reeleição".

O senhor viveu intensamente os últimos 50 anos da política fluminense, uma testemunha da história. O que aconteceu com o Rio de Chagas Freitas a Claudio Castro para acumularmos tantas crises?
O enterro da política. É muito difícil para essa nova geração que gosta de política, principalmente a universitária, entender a diferença entre os governadores das eras pré e pós-redemocratização. Carlos Lacerda era um político, mas tinha o predicado de ser um excepcional gestor. Ele transformou o antigo Estado da Guanabara num canteiro de obras que se tornaram perenes. Era um político mordaz, mas também, como alguém já o rotulou, "devastadoramente capaz". No regime militar, tivemos Chagas Freitas, nomeado pela antiga Assembleia da Guanabara. Promotor durão, honesto, Chagas repetiu no campo administrativo o sucesso de Lacerda, mas não abriu mão da política fisiológica, que, aliás, tornou-se uma característica nacional. Chagas, com o mesmo entusiasmo que inaugurava a segunda adutora do Guandu, comparecia à inauguração de uma escola municipal ou à festa dos pretos velhos em Inhoaíba, Campo Grande. Impressionante sua sensibilidade com o que a população mais simples aspirava, talvez em razão de ser dono dos jornais populares O Dia e A Notícia. Com a redemocratização, aconteceu uma ressaca política, onde o 'não' passou a ser uma palavra proibida, tamanha a vontade de pôr um fim à censura vigente. Brizola foi eleito, em 82, numa onda avassaladora semelhante à de Bolsonaro, em 2018. A liturgia dos cargos, respeitada por todos, foi para o brejo. Para se ter ideia dessa 'ressaca', ambulantes frequentavam os corredores do Palácio Guanabara e qualquer um tinha acesso ao gabinete do governador, o que obrigou Brizola a instalar uma cabine telefônica num canto, para poder falar ao telefone com privacidade. A partir da eleição de Brizola (apesar dele nunca ter sido correlacionado com casos de corrupção), a política com P maiúsculo deu lugar a um fisiologismo desenfreado com práticas nem sempre republicanas. Brizola, recém chegado do exílio, não tinha 'troca de ocupação' e parte de seu time foi lhe apresentado na véspera da posse. Tinha de tudo na sua equipe. Asfaltar estradas, construir pontes ou hospitais passaram a não ser tão importantes quanto indicar quem os construiriam. E Brizola, um nacionalista de coração, priorizava a Política, não a administração. Acreditou nos que o cercavam e o uso da máquina correu frouxo. Um dos casos mais emblemáticos foi a ida da Fórmula 1 para SP. Testemunhas afirmam que pediram ao todo poderoso Bernie Ecclestone uma grana para manter a F1 no Rio… e deu no que deu. O que aconteceu no Rio de Janeiro? Um assassinato. Assassinaram a política. Ulysses Guimarães, Tancredo e Nelson Carneiro, com os quais me relacionei, já me diziam isso.

Quais os bastidores que o senhor ainda não compartilhou sobre o passado distante e mais recente (de Chagas à Pezão)? Witzel e Cláudio ainda são presentes. Nos conte estes momentos...
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Alguns governadores mais recentes mantiveram a liturgia do cargo. Moreira Franco foi um deles. Terminou seu governo sem escândalos. Marcelo Allencar foi muito criticado por causa das privatizações de companhias estaduais, mas deu um passo ousado numa época em que falar em privatização era um pecado capital. Já Garotinho e Rosinha optaram pelo populismo. Eles simplesmente atenderam ao que o cidadão se acostumara: o fisiologismo, invés da ideologia. Tanto é que Garotinho elegeu Rosinha no primeiro turno. A impressão que tenho é que se antes, os governadores avocavam a si a tarefa de fazer política, a partir de um determinado momento, optaram por delegar a terceiros essa tarefa. Tudo bem, que essa é também a função do líder do governo no legislativo e do secretário de Governo, mas o governador não pode abrir mão de monitorar as aspirações e frustrações do legislativo. Governador que subestima o presidente da Assembleia Legislativa mandando 'negociar' apoios individualmente é um insano. Não conheço um único governador que tenha conseguido governar sem ter uma boa relação com o presidente do Legislativo. De certa forma, é o caso do Bolsonaro, que só avançou na reforma da previdência, graças ao Rodrigo Maia. De lá para cá, nada aconteceu. Sem uma parceria entre os chefes do Executivo e do Legislativo, pode esquecer. Aí residiu o maior erro de Witzel, de achar que poderia negociar individualmente. Além de ser um amador, de não entender patavinas de política, seu deslumbramento foi incrível. Aquela faixa, as flexões nos quartéis, as condecorações… Acho que o Dr. Tancredo Neves deve ter virado de bruços no túmulo...
O seu retorno à Alerj é um marco e isto o torna o deputado com o maior número de anos de parlamento do país. A diferença é que hoje o senhor terá que conviver com um cenário complexo que mistura influência de milicianos, traficantes e idealistas. Como separar o joio do trigo?

Quem se der ao trabalho de consultar o noticiário sobre a Alerj no início da presente legislatura, verá uma quantidade de palavras e ações, em 2018, inacreditavelmente semelhantes às dos parlamentares eleitos em 1982, no rastro do brizolismo. Essas ondas sazonais trazem de tudo, inclusive de gente bem intencionada que, creio, são a maioria. Que eu saiba, não têm deputados milicianos na Alerj, hoje. Sempre considerei exagerada a sua influência nas votações. Ninguém sobrevive individualmente no Legislativo. Diga-me uma única medida legislativa que algum miliciano tenha imposto aos seus pares? Impossível. A arrogância dá lugar à reflexão de que dependemos uns dos outros, seja nas votações de plenário ou comissões, seja nos entendimentos na reunião de líderes. E tudo isso sob a batuta do presidente. Imagino o dobrado cortado pelo André Ceciliano, diante de bancadas tão díspares quanto as atuais. E, ainda por cima, foi eleito presidente em pleno frenesi da direita, sendo do PT. Inacreditável.

A sua biografia registra passagens no jornal O Dia. A sua primeira dobradinha, em 1970, foi com Miro Teixeira. Naquele tempo, o senhor se firmou como um defensor das religiões de matrizes africanas. Por que existe tanto preconceito contra as pessoas que professam esta fé? E os evangélicos estão muito presentes na política. Este fenômeno veio para ficar?

Meu pai foi deputado pelo antigo Estado da Guanabara, onde exerci também meu primeiro mandato. Nos anos 50 e 60, a perseguição à Umbanda e ao Candomblé era patrocinada pelos agentes policiais, sob as ordens de governantes que cediam às pressões da Igreja Católica da época. Isso só parou com a eleição de meu pai, que obteve a promessa de Carlos Lacerda que isso teria um fim. A partir da década de 80, o Macedo, da Igreja Universal, escolheu como alvo as religiões de matrizes africanas, sendo seguido por outras seitas neopentecostais. Repare que as igrejas tradicionais, como a adventista, a batista, a presbiteriana e a metodista, são incapazes desse tipo de crime. Pela quantidade de emissoras de TV e Rádio, pelos recursos que dispõem e pelo número de deputados que elegem, os evangélicos já deveriam ter avançado o triplo em matéria de seguidores no país. Ao contrário, estacionaram na casa dos vinte por cento. E o Brasil segue majoritariamente católico. Não será para esse século que veremos um Brasil teocrático.

O bolsonarismo está avançando junto a população mais pobre e o presidente e sua família investem agora nas prefeituras da Baixada Fluminense. Como o senhor observa esta estratégia?

É o segmento mais fiel, já que grande parte da classe média se decepcionou com Bolsonaro. Não subestimemos, contudo, o bolsonarismo; da mesma forma, o lulismo. Esses dois eleitorados cativos amealham em torno de 40% dos votos, 20% cada. Chova ou faça sol, votarão em candidatos por eles recomendados. Exemplo mais recente foi Crivella que, sozinho, patinava em torno dos 10% e não ia para o segundo turno, até que Bolsonaro pôs a mão na sua cabeça. Para esse tipo de eleitor, não importa se o seu candidato promete construir uma ponte até onde não tem rio.

Quais conselhos o senhor gostaria de dar para o governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes?

Eduardo não precisa de conselhos. Sabe o que tem que fazer e deixar de fazer. Vai reconstruir o Rio. A gestão Crivella foi tão ruim, tão ruim, que qualquer ação mostrará a diferença. Não conheço profundamente o Cláudio Castro, mas, além de sortudo, parece-me um homem bom, não carrega ressentimentos. Aparentemente, diante do que testemunhou no início do governo, está desapegado a fanfarronices que beiravam o ridículo. E, se acertar as contas públicas, se credenciará à reeleição.

Outro dia o senhor fez uma publicação na sua rede social criticando assessores do PSD que hoje cercam o governador. O que está acontecendo?
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Não tenho qualquer crítica ao PSD, partido que, dizem, será o destino do governador. É importante que ele não se feche em círculos restritos, como seu antecessor. Cláudio tem formação política, foi vereador, sabe o que é eleição, voto. Sabe o valor do legislativo. Se souber ouvir, tem tudo para ser bem sucedido.

O senhor continua no MDB. Este partido tem sido frequentemente acusado de práticas condenáveis. Qual é sua luta atualmente dentro do partido?

Meu pai foi fundador do MDB. Elegi-me pela primeira vez, pelo MDB, em 1970. Por que renegar a legenda de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Jarbas Vasconcelos, Barbosa Lima Sobrinho e Nelson Carneiro? Esses sempre foram meus paradigmas. Aponte um único partido que não carregue algum tipo de irregularidade que tenha manchado sua história ou a de algum de seus líderes. Os homens e mulheres passam. Os ideais ficam.