Karine Vargas - Acervo Pessoal
Karine VargasAcervo Pessoal
Por Sidney Rezende
Economista e mestre em políticas públicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Karine Vargas Pontes é uma das mais brilhantes pensadoras da sua geração. Ela é mestre em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pela UFRRJ, Especialista em Política Pública e Gestão Governamental pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Bacharel em Ciências Econômicas. Além de ter um currículo sólido, Karine Vargas é crítica e não tem medo de enfrentar embates intelectuais em defesa das suas ideias. Este espírito combativo a levou a integrar a equipe do Fórum Popular do Orçamento vinculado ao Conselho Regional de Economia - CORECON/RJ. Atuou no corpo técnico da Subsecretaria de Política Fiscal na Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro (2011-2015), cuja principal função desempenhada centrava na avaliação da correlação entre o aporte financeiro/orçamentário e os programas de governo desenvolvidos na área da Agricultura, Pesca, Habitação e Indústria. Atualmente exerce a função de Especialista de Finanças Públicas na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e de pesquisadora no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Como ela tem experiência na área de Orçamento Público, Finanças Públicas e Políticas Públicas na área de Segurança Pública e Drogas, a nosso pedido, analisou a situação das contas da Prefeitura do Rio e o legado deixado pelo Governo Crivella para seu sucessor, Eduardo Paes.

O que os trabalhadores precisam saber da crise financeira e econômica da capital e do estado?

A crise financeira tanto da capital como do estado passa pela falta de planejamento na execução das despesas públicas, pelo aumento do endividamento público e pela falta de controle de concessão de benefícios fiscais, quando o poder público abre mão de receita para atrair novas empresas com intuito de geração de emprego e renda. No entanto, este mecanismo muitas das vezes não alcança o objetivo proposto. A prefeitura do Rio de Janeiro tem apresentado nos últimos anos descompasso nas contas previdenciárias, a previsão de déficit para 2021 é de R$ 1,5 bilhão. E os gastos com despesas de pessoal vêm crescendo de maneira significativa, ultrapassando o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal no último ano. A cidade do Rio de Janeiro perdeu capacidade de investimento devido a seu alto grau de endividamento. Isto é refletido no sucateamento das escolas, dos hospitais e das vias públicas. O Estado do Rio de Janeiro irá abrir seu orçamento em 2021 com um déficit de R$ 20 bilhões, isto representa quase 1/3 da previsão de arrecadação. As receitas previstas serão consumidas pela folha de pagamento de pessoal ativo e inativo e pelos limites constitucionais da Saúde e da Educação. Dificilmente o Estado do Rio de Janeiro conseguirá realizar gastos com investimentos de infraestrutura e melhoria nas áreas degradadas.

O que mais preocupa a senhora neste novo ano? Quais devem ser as prioridades do prefeito Eduardo Paes?

A maior preocupação neste ano de 2021 deve ser o enfrentamento à pandemia. A criação de um plano de vacinação deve ser a prioridade em todas as esferas governamentais. Posteriormente será preciso estruturar o retorno às atividades normais da economia e da população. Em relação à Prefeitura, as prioridades devem ser a reestruturação do sistema de saúde do município, o estabelecimento de diretrizes para o início do ano letivo na educação, estudando a possibilidade de retorno nas aulas presenciais, atração de novos investimentos para a criação de novas vagas de emprego e o equilíbrio das contas municipais, incluindo a previdência do município.

O Rio recuperará empregos perdidos?

A geração de emprego é diretamente dependente da situação econômica, inclusive da expectativa de melhora do mercado. Portanto, a geração de empregos, seja no estado ou no município, depende da recuperação da economia em nível nacional. Uma vez que o governo federal estabiliza indicadores econômicos como inflação e câmbio, busca equilibrar as contas e realiza investimentos por meio de programas federais, o mercado melhora suas expectativas aumentando o investimento privado e consequentemente aquecendo a economia, atraindo novos investidores e gerando empregos. Desta forma, a recuperação das economias fluminense e carioca dependem muito da recuperação da economia brasileira.

A pobreza a olhos vistos cresceu no Rio de Janeiro. Qual a forma de combatê-la?

A olhos vistos, observamos o crescimento do número de população nas ruas da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, não temos um censo que apresente essa real situação decorrente principalmente da falta de vagas de emprego, do aumento dos usuários de drogas e de outros problemas que atingem nossa sociedade. Como mecanismo de combate emergencial à pobreza, o governo pode adotar programas de transferência direta de renda, como Bolsa Família e Aluguel Social. No entanto, para combater a pobreza de forma estrutural, estas medidas emergenciais devem vir atreladas a ampliação de políticas públicas em diversas áreas, como saneamento básico, habitação, saúde e educação. O problema deve ser atacado em todas as vias, tanto na questão imediata da fome através de recursos financeiros, como também por meio de mecanismos que impulsionem o cidadão a alcançar melhoria de qualidade de vida em todos os seus aspectos. De acordo com a meta 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável criado na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, tanto a nação brasileira como as economias locais (estados e municípios) deverão, até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, atualmente medida como pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia.

O prefeito e o governador estão se aproximando do presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de tentar atrair recursos para o Rio de Janeiro. Este movimento dará certo?

Independentemente do viés político, a boa relação entre prefeito, governador e presidente é sempre benéfica, pois permite ingresso de mais recursos financeiros para estado e município, a aprovação de projetos, facilitando a implementação de políticas públicas. Um bom exemplo recente é o plano de recuperação fiscal do Estado do Rio de Janeiro, que dependia de aprovação do governo federal para ser prorrogado. A oposição entre o presidente Jair Bolsonaro e o então governador Wilson Witzel impediram sua prorrogação à época do fim do prazo do plano. Recentemente, a prorrogação do plano foi confirmada pelo governo federal, e o bom diálogo do governador em exercício Claudio Castro com o presidente pesou bastante.

Por que o Rio de Janeiro serve de palco para tanta corrupção, malversação de recursos e investimentos equivocados? Onde está o problema?

Recentemente observamos a corrupção escancarada na área da Saúde pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio de contratos superfaturados, ausência injustificada de estimativa de preço e de quantidade e fraudes no processo de contratação das empresas.
O problema está na falta de transparência e de monitoramento no processo de contratação realizado pelo poder público. Cabe ao administrador zelar pelas finanças públicas, adotando solução que melhor atenda o interesse coletivo, com ênfase em critérios objetivos nos processos de contratações, afastando cenários que onerem ao erário público, sem jamais desconsiderar o menor gasto de dinheiro público de maneira mais eficiente, ainda mais em cenário de desequilíbrio fiscal.

A violência urbana no Rio está muito acima do suportável. Ela tem raízes na situação econômica acumulada nos últimos 30 anos?

É claro que a situação econômica contribui muito para o avanço da violência, mas não é o único fator. O Rio de Janeiro sofre muito com o crime organizado em suas diversas formas que exploram várias atividades, como tráfico de armas e drogas, roubo de carga e exploração de serviços. O enfrentamento ao crime organizado deve ser encarado com muito afinco e inteligência, combatendo-se essas fontes de renda e desmantelando esses grupos. A ocupação pelo Estado nos territórios tomados por esses grupos criminosos é essencial para o combate de forma estrutural ao crime organizado, promovendo melhorias à população local com programas de urbanização, saneamento, educação para as crianças, acesso à saúde de qualidade, cultural e lazer.

As soluções dos problemas do Rio passam pela academia, pelas universidades de centros e de pesquisas? A inteligência do estado está em xeque?

Sim, as universidades e a produção científica são de vital importância para o desenvolvimento local. No entanto, a falta de investimentos gera sucateamento da infraestrutura destas unidades de ensino e pesquisa, dificultando o progresso científico em solo fluminense. O governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não valoriza o setor de pesquisa, pois diante de uma crise financeira, os estudantes são um dos primeiros a serem afetados por não receberem sua bolsa de auxílio financeiro, inviabilizando o prosseguimento de pesquisas importantes para a sociedade fluminense. E a falta de diálogo do poder público inibe o desenvolvimento social e econômico no estado do Rio de Janeiro. Muitos países desenvolvidos aproveitam sua massa pensante para desenvolver políticas públicas estratégicas para economia e sociedade. Tanto o governo estadual como a Prefeitura do Rio de Janeiro deveriam utilizar sua comunidade científica para criar um planejamento estratégico de desenvolvimento a fim de reduzir as desigualdades territoriais e econômicas. Que a ciência prevaleça sobre a política.

A direita tem crescido no Rio. Ela tem propostas viáveis para o desenvolvimento do Rio?

O movimento político em direção à direita tem sido um fenômeno global desde meados dessa década. Embora a esquerda venha ampliando sua atuação no legislativo, não tem conseguido disputar nas eleições para governador e prefeito. As propostas econômicas da direita sempre passam pelo conceito de Estado mínimo, isto é, menos interferências do Estado na atividade econômica e diminuição dos serviços públicos prestados. Isso culmina na privatização, na terceirização de serviços como saúde e educação (é o que vemos no caso das Organizações Sociais), e na falta de políticas que permitam sair da crise econômica. O Rio carece de uma intervenção forte do Estado para equilibrar suas finanças e voltar a prestar serviços de qualidade.

Por que não temos um Plano de Desenvolvimento para o Rio e para o Brasil? Onde está o gargalo?

Infelizmente no Brasil não há cultura de planejamento. É comum ver obras paradas, inacabadas ou mal projetadas. O instrumento de planejamento a longo prazo estabelecido pelo Art. 165 da CF/88, o Plano Plurianual, tem vigência de apenas 4 anos. O gargalo está na falta de mecanismos legais que construam planos de desenvolvimento para o país por prazos de pelo menos uma década, além de governos que pensam apenas em políticas que valorizam o seu mandato em detrimento do bem estar da população.