O principal gargalo, no momento, é a falta de vacina. Quando falamos da medicina brasileira, o gargalo é o subfinanciamento do SUS e sua gestão excessivamente lenta e burocratizada. Nenhum sistema de saúde no mundo, entretanto, é eficaz diante de uma pandemia como a que vivemos. Em tempos normais, precisávamos aproximar medicina pública e privada, que são tão independentes. Quando me perguntam sobre a medicina brasileira, não sei se devo falar da privada ou pública, tal a distância. Seríamos mais eficientes se ambas fossem parceiras. Em alguns casos, pode ser mais barato e eficaz para o SUS contratar serviços privados, que já existam, do que montar a sua própria estrutura. E vice-versa. Os planos de saúde deveriam, também, ressarcir o SUS quando seus segurados utilizam, de graça, os hospitais públicos.
Com o agravamento da pandemia, colapso nos hospitais, e dificuldade de disponibilidade de profissionais de Saúde, como o senhor está fazendo para realizar cirurgias de emergência?
Até agora, as cirurgias eletivas continuam sendo realizadas normalmente. Os hospitais reservam áreas isoladas para os pacientes com Covid, o que permite o atendimento normal de outras doenças. Tenho operado, diariamente, seguindo os protocolos de segurança, com testagem para Covid das equipes médicas, pacientes e acompanhantes.
Durante a pandemia, como andam as atividades do Instituto Estadual do Cérebro, único hospital do Brasil especializado em cirurgias cerebrais?
O Instituto Estadual do Cérebro realiza mais de mil cirurgias cerebrais de alta complexidade, por ano, tendo se tornado uma referência em nosso Estado. Além da parte assistencial temos também ensino e pesquisa clínica. No início da pandemia, em 2020, fomos transformados em hospital de Covid, o que foi um erro, pois não somos um hospital geral para atender uma doença infecciosa que atinge todos os órgãos e necessita de diferentes especialistas. Foi um momento muito difícil para os profissionais do Instituto. Felizmente retomamos nossas atividades fins, tratando aqueles com epilepsia, tumores cerebrais, hemorragias e outras afecções neurológicas graves de pacientes que ficaram desamparados naquele período. Estamos trabalhando normalmente, realizando cerca de dez cirurgias cerebrais por dia, testando para Covid todos os pacientes, antes da internação, assim como aqueles profissionais com suspeita da doença.
O que pode ser feito imediatamente para melhorar o atendimento para a população sem prejuízo do tratamento de doenças que não sejam somente respiratórias?
A menos que haja um aumento expressivo do número de casos, os hospitais manterão as áreas exclusivas para os pacientes com Covid. Os atendimentos de especialidades de alta complexidade, como neurocirurgia, cirurgia cardíaca e oncologia, por exemplo, não devem ser interrompidos, pois tratam de pacientes que não podem esperar, com doenças que ameaçam a vida igualmente.
O senhor tem ajudado também no enfrentamento da pandemia. Quais as lições que o senhor aprendeu neste período?
O que eu aprendi é que a única conduta eficaz é a prevenção, e, neste momento, contamos apenas com a possibilidade de isolamento social. No último ano, passamos a conhecer melhor a doença, mas muito pouco sobre o tratamento. Devemos manter a luta pela vacina, pois só assim teremos paz.
Enquanto as vacinas não chegam, o que é preciso fazer prioritariamente para amenizar o drama de saúde da população?
Enquanto a vacina não chega em número suficiente, só nos resta o isolamento social, uso disciplinado de máscaras e procurar manter as atividades profissionais com todos esses cuidados. E, naturalmente, o auxílio emergencial do governo é fundamental para evitar um drama social ainda maior.
Por que parte da sociedade aderiu ao negacionismo?
Não sei a melhor resposta, mas acredito que se deva em parte à desinformação e muito ao oportunismo de todo tipo.
Os profissionais de saúde estão exaustos e, além disso, o país descobriu que não tem intensivistas em quantidade e com qualificação para suportar a gigantesca demanda de pacientes. O que pode ser feito?
Estamos vivendo um terremoto. Todos ajudam do jeito que é possível, sem coordenação. Não há especialistas nem leitos hospitalares em número suficiente. Voltamos então à única solução do momento, que é recomendar a prevenção com isolamento.
Qual a contribuição de especialistas como o senhor - e outros - podem dar neste momento grave da saúde brasileira?
Numa pandemia, a mídia e as informações corretas são fundamentais. Salvam vidas instruindo a população como agir e evitar a contaminação. Como neurocirurgião, só posso ajudar estando aqui para reforçar as medidas preconizadas pelas sociedades médicas, baseadas no conhecimento científico.
Quais os principais acertos e erros das autoridades que conduzem o enfrentamento da pandemia?
Os erros são bem conhecidos e decorrentes do negacionismo, como o atraso na aquisição das vacinas e descrédito nas medidas de prevenção. Os acertos, infelizmente, foram as medidas mais duras de isolamento social nos momentos mais críticos. E agora, o acerto maior, a vacinação em curso, ainda que lenta.
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