Vereadora Mônica Benício (PSOL)Clarice Lissovsky

Por Sidney Rezende
Mônica Benício já era militante de direitos humanos e ativista LGBTI+ quando foi eleita vereadora pelo Rio de Janeiro com 22.919 votos nas eleições de 2020. Desde então, a parlamentar tem pautado sua atuação na promoção e defesa dos direitos das mulheres e no debate urbanístico com foco na inclusão social. "Não será possível recuperar o verdadeiro sentido dos Direitos Humanos sem se refundar o Estado e as instituições brasileiras. A Constituição de 1988 nunca saiu do papel plenamente. O Brasil precisa se repactuar com a sua Constituição, para garantir trabalho e renda, educação, saúde, saneamento, moradia digna. Sem esses alicerces, não há como o conceito de Direitos Humanos prosperar na sociedade brasileira", disse em entrevista ao jornal O DIA. Mônica era companheira da vereadora Marielle Franco, quando ela foi assassinada em março de 2018 junto com o motorista Anderson Gomes. A partir do crime, vem se dedicando na luta por justiça. "Denunciando de todas as formas possíveis que não há democracia enquanto não soubermos quem mandou matar Marielle".
Vereadora, o que mudou na sua vida depois da sua eleição?
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Muita coisa mudou, especialmente no que diz respeito à rotina, tendo em vista que o povo carioca me conferiu um instrumento que exige a execução de tarefas bastante específicas, a saber: legislar e fiscalizar os atos do Poder Executivo. Isso enseja a participação nas sessões da Câmara, reuniões com o partido, com a equipe da nossa mandata e contato próximo com os movimentos sociais que dão sentido à nossa luta política. No entanto, vale dizer que em essência eu sigo militando pelas mesmas causas de antes, ou seja, direito à cidade, promoção e defesa dos direitos da população LGBT+, mulheres, população em situação de rua e, como urbanista, tenho me empenhado para trazer a favela para o centro das decisões políticas, pois acredito que a cidade é de todas e todos que nela vivem. E, por óbvio, lutando por Justiça por Marielle e Anderson.
Quais têm sido as suas bandeiras de luta política?
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Como falei na pergunta anterior, minhas bandeiras de luta seguem as mesmas. Sigo na luta por justiça ao assassinato de minha companheira Marielle e de Anderson Gomes. Denunciando de todas as formas possíveis que não há democracia enquanto não soubermos quem mandou matar Marielle. Também tenho dado continuidade ao seu legado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por isso reapresentamos o projeto de lei que cria o dia da visibilidade lésbica - apresentado por Marielle e não aprovado por dois votos ainda em 2017. Esse projeto também fala da constituição de nossa família e do respeito à nossa identidade. Apresentamos ainda, junto com a bancada do PSOL, o projeto de lei que torna o dia 14 de Março o Dia Municipal de enfrentamento à violência política contra as mulheres. Também desarquivamos projetos de lei da Marielle de lutas importantes para os movimentos feministas e LGBTs. São eles: o Projeto de Lei 16/2017, que prevê o atendimento humanizado ao aborto legal na cidade do Rio de Janeiro, o PL 442/2017, que visa dar informações às mulheres sobre seus direitos em caso de violência sexual e o PL 72/2017, que cria o Dia de Luta contra a LGBTfobia. Dentre outras pautas, destaco a atuação de nossa mandata nas pautas feministas e aquelas de promoção e defesa da vida das mulheres. Este foi um dos movimentos que mais ressignificou a minha vida após o 14 de Março de 2018. Agora, enquanto mandatária, tenho levado esse compromisso para a minha atuação institucional. Protocolamos o Projeto de Lei que cria o Programa Municipal de Enfrentamento ao Feminicídio; criamos a Comissão Especial que visa monitorar as políticas e serviços que impactam a vida das mulheres na cidade e atuamos em diversas frentes para garantir a vacinação de gestantes, lactantes e reduzir a mortalidade materna por covid-19.
Uma das perguntas mais repetidas dos últimos anos parece ainda sem resposta. Afinal, quem mandou matar Marielle Franco?
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Essa é a pergunta que faço a todas as autoridades do país. Essa é a pergunta que levei para diversas partes do mundo. Até hoje, apenas os executores foram identificados e presos. Mas, enquanto não soubermos quem mandou matar Marielle, a justiça não será feita. As instituições do Estado perderão, ainda mais, sua legitimidade. E a democracia brasileira torna-se ainda mais vulnerável. Sabemos das relações dos executores com as milícias e com o Escritório do Crime. Sabemos também que esses grupos possuem seus tentáculos fortes, na institucionalidade. Hoje no estado brasileiro, existe um grupo político mafioso que é capaz de matar seus opositores como forma de fazer política. Uma democracia que se preze não pode conviver com práticas que nos remete aos tempos da Ditadura Civil Militar Empresarial.
A Polícia diz ter chegado aos assassinos de Marielle. A senhora acha que parte deste crime está solucionado?
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Não pode haver solução parcial para o maior atentado político do século. Para falarmos em solução do caso, precisamos que o crime seja esclarecido por inteiro, o que inclui a resposta sobre os autores intelectuais. Eu acompanho muito de perto as investigações, em contato constante com o MPRJ e com a Delegacia de Homicídios. Eu não quero me adiantar e dizer que esta ou aquela linha é certa ou errada, mas também não vou aceitar qualquer coisa. Então vamos aguardar a conclusão do inquérito e analisar com muita atenção o que for apresentado como resposta à sociedade. Afinal, não estamos falando de um crime qualquer, e sim de um assassinato de uma vereadora eleita com quase 50 mil votos, no centro da cidade, às 9 horas da noite. É a democracia que está em jogo.
Em depoimento na CPI da Pandemia no Senado, o ex-governador Wilson Witzel falou que sofreu perseguição política por investigar a morte da vereadora Marielle Franco. O crime já tem mais de 3 anos sem solução. A senhora acredita em interferência política na investigação?
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Para início de conversa, é preciso ser dito que o ex-governador participou de um ato em que foi quebrada uma placa de homenagem à Marielle, o que me causou um sentimento muito ruim na época. Sabemos que Witzel tem trabalhado em sua defesa desde o início do impeachment, então das duas uma: ou ele está criando um factóide como forma de se proteger das acusações que levaram ao seu impedimento, ou ele, de fato, tem elementos suficientes para implicar agentes do governo federal no crime contra Marielle. Neste caso, e é o único que me interessa de verdade, ele deve imediatamente apresentar as provas, pois é de interesse nacional e até mundial que todas as informações venham à tona. Se houve interferência política, que o ex-governador diga explicitamente quem são os responsáveis e quais foram seus motivos de forma objetiva.
Witzel disse também que o delegado Marcos Vinícius Braga, ex-Secretário de Polícia Civil, pediu na época para sair do posto com temor de que algo ruim pudesse acontecer com ele e sua família. A senhora tem mais informações sobre o que aconteceu de fato?
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Isso é gravíssimo. De onde vieram as ameaças? Quem teria interesse em impedir ou desencaminhar as investigações, nesse caso a ponto de ameaçar a vida de um secretário de Estado de Polícia Civil? São declarações muito fortes. Por isso mesmo Witzel precisa apresentar as informações completas, as provas é que valem para uma Comissão Parlamentar de Inquérito, onde foi dado o depoimento, mas também para a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro, que a essa altura, imagino eu, já solicitaram essas informações ao ex-governador. É a partir delas que os responsáveis poderão ser investigados e responsabilizados.
O que pode ser feito para se evitar a influência das milícias na política?
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Um estudo recente, batizado de Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, aponta que 57% do território da cidade está sob o domínio das milícias. Outra pesquisa feita pela Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos aponta indícios de articulação das milícias com os Poderes Executivos municipais e casas legislativas. Além de ligações de milícias com igrejas evangélicas pentecostais. O Rio e o Grande Rio estão reféns de máfias, com braços institucionais que impulsionam suas ações. A milícia é máfia. Uma máfia que está incrustada no Estado brasileiro e que conta hoje com a simpatia do mais alto comando do país. Hoje a principal tarefa é retomar o Estado e as instituições do país das mãos destas máfias. Para tal, é preciso quebrar os braços financeiros dessas organizações criminosas, pois é o seu poderio econômico que viabiliza a corrupção de agentes públicos, a eleição de políticos comprometidos com essas máfias e o domínio de populações inteiras em determinados territórios. Chegamos a um ponto onde ou refundamos o Estado e as instituições ou a Constituição de 1988 e o Estado Democrático de Direito, já frágeis e pouco enraizados, se desmantelarão de vez.
Uma parte da população acredita que "direitos humanos são para humanos direitos", sem entender o conceito e importância dos direitos humanos para quem precisa. Como mudar essa visão?
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O Brasil não acertou as contas com o seu passado sombrio, que foram os 21 anos de ditadura civil-militar-empresarial, e a fatura que nos é cobrada agora é altíssima. Foi nos deixado como herança uma cultura na sociedade onde na ideia de “estabelecimento da ordem” cabe a execução dos “opositores da ordem”. Num país de desigualdades tão profundas, onde leis de garantias sociais são estruturalmente violadas, também prospera a ideia de que a lei pode ser transgredida em nome da “segurança”. Essa ideia serviu de alicerce para a consolidação das milícias, por exemplo. E fere de morte o conceito de Direitos Humanos. Episódios como o recente massacre de 28 pessoas numa operação no Jacarezinho e o assassinato de Kathlen Romeo, no Complexo do Lins, são tratados pelas forças policiais e pelos governantes, como o governador Claudio Castro e Bolsonaro, como efeitos colaterais do combate ao crime. É ao mesmo tempo a banalização destas mortes e das violações de direitos por parte do próprio Estado, e vai introjetando na sociedade a ideia de que apenas “humanos direitos”, seja lá o que isso possa significar, são merecedores de “direitos humanos”. Como disse anteriormente, não será possível recuperar o verdadeiro sentido dos Direitos Humanos sem se refundar o Estado e as Instituições brasileiras. A Constituição de 1988 nunca saiu do papel plenamente. O Brasil precisa se repactuar com a sua Constituição, para garantir trabalho e renda, educação, saúde, saneamento, moradia digna… sem esses alicerces, não há como o conceito de Direitos Humanos prosperar na sociedade brasileira.
Entre suas pautas de atuação está o debate urbanístico com foco na inclusão social. O que pode ser feito para resolver ou pelo menos minimizar a questão dos moradores de rua?
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Como a professora Sonia Ferraz do PPGAU/UFF nos ensina, “os discursos midiáticos e oficiais classificam essa população como 'moradores de rua', naturalizando sua condição de 'sem-teto', instituindo o mito de que, apesar de não ter casa, essa população 'mora'”. Isso quer dizer que esvaziamos o debate (e possíveis alternativas) de como lidar com uma questão que é tanto de exclusão econômica quanto social, e geram inúmeros conflitos na cidade, sobretudo, para sobrevivência da pessoa sem-teto. O problema dos sem-teto se torna grave para a opinião pública em locais de grande investimentos imobiliários. O centro do Rio sempre foi um lugar de conflitos, mas não apenas lá. Neste contexto de aprovação à fórceps do REVIVER CENTRO, aponta-se para a concretização de uma ideia de ordem urbana onde essas pessoas atrapalham. Não se fala da problemática do déficit de moradia ou dos aspectos relacionados à saúde mental. Nesse sentido, uma política e planejamento urbano que bloqueie os processos de gentrificação, como de moradia social em vazios urbanos, edifícios e casas abandonadas há décadas no centro, em especial, em imóveis públicos, seria uma ótima forma de inclusão. Políticas de assistência social e saúde integradas também são fundamentais, considerando a situação mais vulnerável de mulheres e jovens.