Dia a dia:
De maneira geral, é um fato. Isso ocorre porque as crianças com autismo têm dificuldades de prever situações que vão acontecer e a rotina traz uma previsibilidade de conforto. A criança já sabe o que vai acontecer, como vai acontecer, com quem e onde e, com isso, já se organiza das ações que precisará ter naquela situação. A rotina é importante para todas as crianças, principalmente com autismo, mas nas intervenções é preciso estimular as variações e as flexibilidades porque, no dia a dia, acontecem muitos imprevistos que podem desencadear crises nas crianças com autismo.
Diversos estudos apontam que a convivência com animais é boa para crianças autistas. Quais os benefícios reais dessa convivência? Cachorros ou gatos são mais indicados? Justifique sua resposta.
Quais mudanças são mais difíceis para uma criança autista lidar? Ou qualquer mudança gera um problema?
É possível mudar essa situação com algum tipo de exercício ou terapia? Fale sobre isso.
Como ajudar a desenvolver áreas de interesse alheias ao hiperfoco?
Pais se preocupam com os filhos em qualquer idade e é natural que superprotejam os filhos "com problemas". Na relação desses pais com filhos autistas, isso pode ajudar ou prejudicar? Fale sobre isso.
Crianças, por vezes, podem ser cruéis praticando bullying etc. A criança com autismo tem essa percepção? Justifique sua resposta.
É importante que crianças com autismo estudem em escolas tradicionais e lidem com neurotípicos no dia a dia ou é melhor que elas recebam um ensino especial, focado em suas necessidades?
Ainda sobre bullying, como conversar e mostrar que essa criança não precisa se sentir inferiorizada?
Terapia para crianças autistas é fundamental? Justifique sua resposta.
Muito se fala sobre a dieta cetogênica ser ideal para melhorar os sintomas do autismo e que alimentos ricos em carboidratos poderiam piorar esses sintomas. O que acha disso? Existe algum embasamento cientifico de fato nessa teoria? Há estudos que corroborem com isso?
A chegada de irmãos sempre interfere no emocional da criança (e de toda família) porque há uma mudança no foco de atenção e na rotina da casa. O importante é tentar incluir o irmão com autismo em todas as etapas, desde a gravidez, compra de roupas, montagem do quarto, escolha do nome, exames, parto e chegada do bebê. Interessante também usar estratégias visuais com imagens da mãe grávida, da ultra, de bebês após o nascimento, explicando os cuidados necessários e os comportamentos esperados e não adequados para que a criança consiga se organizar na previsibilidade. No dia a dia, a família deve buscar incluir o irmão com autismo na rotina, explicando os acontecimentos e trazendo previsão de momentos de choro do bebê, o que podem irritar por causa da baixa tolerância sensorial. Ter um irmão é uma transformação emocional que a criança passa, independentemente de diagnóstico. A família deve incentivar e aproximar os irmãos desde cedo.
Para crianças autistas que estão acostumadas com os pais juntos, como conversar sobre separação? A guarda compartilhada é uma boa solução para crianças autistas já que elas estão acostumadas com rotina? Qual seria a melhor solução, para a criança, diante de uma separação?
O processo de separação dos pais é dolorido para toda criança porque é a quebra da família e uma reestruturação de sentimentos e vida prática. Na separação de pais de crianças com autismo, é importante não discutir ou fazer disputas na frente da criança, manter um padrão de decisões para que ela se sinta segura e reorganizar a rotina com pistas visuais.
A criança deve ter seu espaço na casa de cada um, com seus objetos pessoais e de preferência. Além disso, toda logística de sair de uma casa e ir para a outra deve ter organizada através de pistas visuais com imagens e ordenação de fatos. A previsibilidade é uma habilidade difícil para crianças com autismo, o que traz uma ansiedade maior e pode desencadear crises. Portanto, a guarda compartilhada pode, sim, ser acordada entre os pais, desde que estes se proponham a manter uma rotina confortável para a criança. O que não deve é ter regras em uma casa e não ter na outra, ter limites para atividades e uso das telas em uma casa e não ter na outra. As regras e normas devem ser padronizadas e mantidas em todos os ambientes da criança para que ela generalize e realize essas flexibilizações com maior segurança emocional.
E sobre a morte de um parente próximo? Como conversar sobre isso? É preciso "florear" a situação ou ser direto é a melhor opção?
A morte é um assunto delicado para todas as crianças porque não é algo fácil nem palpável de ser entendido, é como se a pessoa “sumisse” da vida dela de repente. No caso de crianças com autismo, é importante explicar de maneira clara e objetiva, não precisando dar muito detalhes, e focando nas lembranças boas da pessoa. A família pode usar as pistas sociais e histórias sociais para explicar para a criança, de maneira lúdica, a questão da morte. Além disso, é importante dar oportunidade e validar a expressão das emoções da criança, sempre identificando e nomeando o que ela está sentindo.
Voltando ao assunto divorcio dos pais e/ou relacionamentos de irmãos e pessoas próximas com terceiros. Alguns autistas não aceitam novos membros na família ou no seu dia a dia. Como lidar com isso?
Mais uma vez, com histórias sociais e pistas visuais. A pessoa com autismo precisa de mais tempo para fazer vínculo com outras pessoas, em especial, as desconhecidas. Então, é cativar com o tempo, brincar com ela, fazer atividades com pistas visuais de quem é aquela pessoa, qual a função dele, o que a criança poderá fazer com essa pessoa no dia a dia. Respeitar o tempo da criança com autismo e ser verdadeiro com ela na relação afetiva. Empatia sempre!
O desenvolvimento infantil é uma fase de muitos desafios para todas as crianças, inclusive na fase da adolescência. E para adolescentes com TEA, mais ainda, porque as demandas sociais são maiores e o bullying começa a acontecer. Para minimizar os danos, é importante buscar uma rede de apoio empática e tolerante com amigos e familiares de amigos que consigam compreender e lidar com as necessidades específicas desse jovem. Além disso, o adolescente deve treinar, em suas terapias, estratégias de habilidades sociais e vida funcional para que tenha sucesso nas atividades diárias.
Na ficção, a criança e adolescente autista normalmente é retratado como muito inteligente. Isso é uma verdade? A performance da criança/adolescente autista na escola é diferenciada ou devido à sua concentração assimila melhor o que é ensinado? Costumam ser mais estudiosos ou têm maior dificuldade de aprendizagem? Fale sobre isso.
Esse retrato da pessoa com autismo sendo muito inteligente é um grande mito. Os estudos mostram que cerca de 70% das pessoas com TEA tem algum nível de deficiência intelectual, outros tem uma inteligência dentro da média (Autismo Leve – antiga síndrome de Asperger) e poucos os casos de pessoas com TEA com altas habilidades. Normalmente, o hiperfoco da pessoa com TEA acaba confundindo essa questão da inteligência porque ela estuda e sabe tanto sobre um determinado assunto, que demonstra conhecimento muito acima de outras crianças da mesma faixa etária. Tenho paciente que falam quatro idiomas, mas não conseguem ir até a padaria e comprar o pão sozinhos. Outro que sabe tudo sobre dinossauros, mas não consegue resolver um problema simples de matemática. Isso não é ter inteligência acima da média e, sim, ter o hiperfoco em algo.
Há alguma forma dos pais prepararem seus filhos autistas para lidarem melhor com mudanças quando se tornarem adultos?
Sim, por meio da estimulação prática de flexibilizações no cotidiano, ou seja, desde variar o elevador que entra até imprevistos do dia a dia. E usar pistas visuais para ajudar na previsibilidade do que vai acontecer. É importante também observar o que acalma (autoregula) a criança e usar em situações necessárias. Podemos usar slimes, spinners, bolinha de sabão, massagens de pressão, bexiga etc.
As crianças autistas tendem a ter as mesmas dificuldades quando se tornam adultos ou a percepção delas sobre o entorno muda? Fale sobre isso.
Normalmente, muda um pouco e melhora por questões de desenvolvimento cerebral e adaptações sociais do dia a dia. Com certeza, as crianças que estão em terapia tendem a melhorar de maneira mais efetiva e conseguir generalização dessa melhora para todos os ambientes da vida dela. O foco da intervenção pensando na idade adulta é nas habilidades funcionais, ou seja, treinar comportamentos que são importantes para que o indivíduo atue de maneira funcional.
Séries como 'The God Doctor' mostram que pessoas autistas podem se sobressair em qualquer profissão. Isso é real ou apenas na ficção? Fale sobre isso.
Pode acontecer, mas é mais raro. Na série 'The God Doctor', por exemplo, o personagem não tem só autismo com alto hiperfoco na fisiologia, ele tem síndrome de Savant associada, que traz a questão do alto funcionamento intelectual. Hoje em dia, há muitas pessoas com autismo (em especial síndrome de Asperger) que são muito bem sucedidas na vida profissional com cargos importantes. Mas é importante ressaltar que nem sempre são altas habilidades e, sim, porque essas pessoas têm conhecimento muito aprofundado no seu hiperfoco e fez disso uma profissão. As dificuldades de comunicação social continuam na vida adulta e precisam de estratégias para ter bom relacionamento com colegas de trabalho.
Diagnóstico de TEA:
Muitos confundem autismo com Asperger e TDAH. Quais as diferenças entre esses diagnósticos?
Desde 2013, com o novo critério diagnóstico proposto no DSM V, a síndrome de Asperger foi introduzida como parte do Transtorno do Espectro Autista caracterizada como um nível mais leve. A síndrome de Asperger é caracterizada por déficits nas áreas comunicação social e interesse restrito, porém, com menos prejuízos na área da linguagem e da inteligência. Normalmente, são pessoas com inteligência dentro da média que possuem dificuldades maiores na área da socialização. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por sintomas como déficit de atenção (concentrar em algo), ter comportamentos hiperativos (muita agitação psicomotora) e impulsividade (agir antes de pensar). São características bem diferentes do autismo leve, mas pode vir como comorbidade do autismo. Ambos diagnósticos são feitos por neurologistas ou psiquiatras com base nos critérios diagnósticos.
Ao nascer, é possível saber se a criança é autista ou apenas com o tempo? Há algum teste para essa identificação? Ha características perceptíveis no primeiro ano de vida? Fale sobre isso.
O diagnóstico do autismo é clínico e não há exames que detectam. Porém, normalmente, os médicos prescrevem alguns exames para eliminar outros possíveis diagnósticos. O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento e isso significa que, sim, a criança nasceu autista. Ninguém se torna autista por alguma situação vivida na vida. O que acontece é que, em alguns casos, a família não percebia os sintomas e, por volta de 18 meses, com a poda neural, os sintomas ficam mais visíveis e o atraso na fala é o primeiro sintoma que realmente chama atenção. Infelizmente, ainda há a famosa e terrível frase que alguns pediatras usam “Cada criança tem seu tempo”, porque isso só atrasa o possível diagnóstico e a intervenção precoce, que são preditores para melhores resultados.
Ao contrário do Down, que até pelas características físicas pode ser identificado, no autismo não há como, certo? Ou existe alguma característica física que mostre?
Realmente não há características físicas que mostrem o autismo, como no caso da síndrome de Down (T21). Normalmente as pessoas identificam por questões comportamentais mesmo. Se necessário, a família pode fazer a carteira de identificação do autista para ajudar a manejar situações do cotidiano, como ter preferência nas filas para que a criança não entrem em crise naquele ambiente.
Esse “novo normal” é realmente muito novo para todos nós e a grande questão é não ter previsão de quando tudo isso vai de fato acabar e voltaremos ao nosso normal. O ano de 2020 foi muito difícil, de mudanças de rotinas e de muitas adaptações para todos nós. E as crianças com autismo, que já têm dificuldades em lidar com mudanças e de se estabelecerem novas adaptações, sofreram muito quando foram afastadas das escolas e das terapias se as escolas não estavam preparadas para encarar o ensino à distância nem para crianças típicas, imagina para as atípicas. Nossas crianças com autismo não conseguiram acompanhar as aulas online e não tiveram adaptação curricular para um melhor aprendizado. Penso que 2021 é o momento de reorganizar as prioridades educacionais das crianças com autismo e trabalhar nas lacunas do processo ensino-aprendizagem para que elas tenham um desenvolvimento mais funcional. Além disso, precisamos continuar treinando as crianças ao uso de máscaras, ao distanciamento social e às novas práticas de segurança e higiene que estamos vivenciando desde 2020. Uma dica é usar as estratégias visuais para esse ensino de novos comportamentos. Colocar fotos ou imagens do comportamento adequado que espera-se da criança, o que ela deve e o que ela não pode fazer, explicar com vídeos sobre o Coronavírus e os novos cuidados. A dica visual é a que mais temos resultados com crianças dentro do Transtorno do Espectro Autista e, nesse momento, precisamos usar de maneira abundante. As histórias sociais através de desenhos também ajudam muito porque ilustram situações do cotidiano, realizadas bem passo a passo e explicadas para a criança de maneira objetiva e simples.
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