Acesso a absorventes e à higiene íntima precisam ser discutidos com urgência
Pesquisa mostra que uma em cada quatro meninas faltou à escola por não ter um absorvente. Governo federal disse que irá viabilizar distribuição gratuita para mulheres pobres
De acordo com o estudo "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos", 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas - Reprodução de internet
De acordo com o estudo "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos", 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolasReprodução de internet
Hoje, eu quero falar com vocês sobre um assunto delicado e sério, que muitas de nós nunca paramos para compreender. Talvez, pelo nosso privilégio; talvez, pela falta de compreensão sobre as necessidades de outras mulheres. Eu estou falando, meninas, da pobreza menstrual e da dificuldade de acesso a absorventes e à higiene íntima.
Eu gostaria de fazer um exercício com vocês: por um minuto, se coloquem na pele de uma mulher, ou de uma menina, que vive muitas dificuldades e não têm dinheiro nem para comer - realidade de milhares de brasileiras, principalmente depois da crise provocada pela pandemia. Para onde vocês acham que vai o pouco de dinheiro que essa mulher ou menina conseguir? Para comprar absorventes ou comida para a família? Uma escolha complicada de se fazer, né?
Uma pesquisa conduzida pela antropóloga Mirian Goldenberg, divulgada em maio deste ano, mostra que uma em cada quatro meninas faltou à escola por não ter um absorvente. O levantamento também mostrou que uma em cada quatro jovens não se sente à vontade de falar sobre a pobreza menstrual. E por isso eu achei tão importante participar da discussão e trazê-la para vocês.
O governo federal disse, nesta semana, que vai trabalhar para viabilizar a distribuição de absorventes gratuitamente para mulheres pobres, em situação de vulnerabilidade social e no sistema carcerário. Isso, depois de vetar um projeto de lei que criava o benefício. Na justificativa para o veto, o governo argumentou que o texto não estabeleceu uma fonte de custeio. Inicialmente, o projeto previa que o dinheiro partiria dos recursos destinados pela União ao Sistema Único de Saúde, o SUS. No caso das presidiárias, do Fundo Penitenciário Nacional. O governo, no entanto, afirmou que absorventes não estão na lista de medicamentos considerados essenciais e que, ao estipular beneficiárias específicas, o projeto não atendia ao princípio de universalidade do SUS. Sobre o Fundo Penitenciário Nacional, o governo disse que o uso de recursos para este fim não estão previstos.
Mas gostaria de voltar ao nosso exemplo no início do texto. Nas discussões que eu li pelas redes sociais, vi mulheres fazerem pouco do tema e dizerem que "é só usar um papel ou um pano". Gente, vocês sabem a quantidade de bactérias e infecções podem surgir de uma prática como essa? E que, se essa mulher ou menina não tem acesso nem à comida, que dirá a um tratamento de qualidade. Vocês concordam que estamos falando de um assunto relacionado à saúde pública?
No Rio de Janeiro, a Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher oferece absorventes gratuitamente para as mulheres em situação de vulnerabilidade social ou de violência. A distribuição é feita no Centro Especializado de Atendimento à mulher (CEAM), nas Casas da Mulher Carioca e no abrigo sigiloso Cora Coralina. Nesta semana, o Programa Livres para Estudar foi criado, para atender estudantes da rede municipal de ensino.
No âmbito federal, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual seria o primeiro a estabelecer regras para todo o país. Ele foi aprovado no Senado Federal, depois de anos de luta de mulheres que ajudam mulheres. São grupos que já perceberam o tamanho dessa desigualdade social e decidiram suprir uma carência de políticas públicas para o tema. O projeto Tô de Chico faz um bonito trabalho em diversos pontos da Capital Fluminense e na Região Metropolitana. As estudantes Talita Soares, de 21 anos, e Carol Chiarello, de 24, iniciaram o trabalho em 2018, numa conversa sobre menstruação. A Talita contou que tudo começou num bate papo com a Carol, que hoje é esposa dela. "A gente estava conversando em casa sobre como era ruim ficar menstruada e, naquele momento, deu um estalo de que existiam mulheres em situação de rua que não tinham acesso a absorventes e higiene menstrual, como um todo. E naquele mesmo dia, criamos o Tô de Chico". As duas mobilizaram as amigas e iniciaram as distribuições. Mas a Talita disse que logo perceberam mais um problema. "Nós nos demos conta de que muitas pediam calcinha porque não tinham. Elas não tinham como usar o absorvente externo sem calcinha. E, a partir desse momento, a gente passou a arrecadar absorventes e calcinhas. Hoje, a gente também distribui sutiãs, máscaras, sabonete, camisinhas".
Talita estima que 30 mil absorventes já foram doados. Por causa da proporção que ganhou, outras três pessoas passaram a participar do projeto. Atualmente, o Tô de Chico recebe apenas doação de materiais, que chegam de duas formas: através de pontos de coleta em diferentes pontos do Rio e, caso a pessoa prefira, pode fazer a compra pela internet e mandar entregar nos endereços do projeto. A Talita disse também que a maior saída das doações é com projetos e ongs parceiras. Eles identificam a mulher inserida na pobreza menstrual e que precisa de ajuda. E aí, a gente faz a nossa doação para aquela ong, que faz a entrega para uma pessoa que precisa". Bonito, né, meninas? Para saber como doar, é só entrar em contato com elas através das redes sociais. Se puderem ajudar, vamos fazer a nossa parte e fazer a vida de alguém menos difícil.
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