A formatura da segunda turma de alunos do curso ocorreu na terça-feira, em auditório do TRT-SP - Divulgação
A formatura da segunda turma de alunos do curso ocorreu na terça-feira, em auditório do TRT-SPDivulgação
Por Bernardo Costa

Ao assumir a opção de se travestir e a identidade afirmada por um novo nome feminino, muitas portas se fecharam para Anderson Palma e Francisco Teixeira, dentro e fora de casa. No mercado de trabalho, o preconceito foi a principal barreira para que eles se desenvolvessem profissionalmente. Mas essas dificuldades ficaram para trás. Hoje, são aceitos como Bia Mattos e Alessandra Martinelly no lugar onde trabalham. A oportunidade de emprego com carteira assinada foi resultado do programa de capacitação 'Empregabilidade de Pessoas Trans Cozinha & Voz', que forma travestis, homens e mulheres transexuais em situação de vulnerabilidade para o cargo de assistente de cozinha.

Projeto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) capacita e encaminha travestis e transexuais para vagas de emprego, no cargo de assistente de cozinha - FOTOS Divulgação

O curso, uma ação em conjunto entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), teve conteúdo desenvolvido pela chef Paola Carosella. A segunda turma do projeto celebrou a formatura na última terça-feira. As aulas aconteceram na Faculdade Hotec, em São Paulo. Segundo a OIT, a intenção é que o programa de capacitação seja levado para outros estados em breve, como Rio de Janeiro, Goiás, Pará e Bahia.

Bia Mattos e Alessandra Martinelly participaram da primeira turma, que concluiu as aulas em novembro. Em pouco tempo, o encaminhamento para a vaga de emprego já promove transformações em suas vidas. Alessandra morava em um abrigo e conseguiu alugar um apartamento no segundo mês de trabalho. "Mudou tudo, pois agora tenho maior liberdade e privacidade. Minha intenção é dar entrada em uma casa própria no ano que vem", projeta Alessandra, que atua como assistente de cozinha em um outro abrigo.

Aos 39 anos, é a primeira vez que ela tem carteira assinada. "Tentei emprego muitas vezes. Mas as chances não aparecem para uma travesti. Até hoje faltam oportunidades para a gente sobreviver de forma digna. Por isso que muitas caem na prostituição, por necessidade de sobreviver. E isso é cruel", diz.

Para Bia, que trabalha num restaurante, a oportunidade de emprego surgida após o curso está possibilitando a retomada dos estudos. "Estou concluindo a escola e pretendo cursar faculdade de gastronomia. Nós podemos. Basta força de vontade", diz.

Coordenadora pedagógica da Faculdade Hotec, que abriga o projeto 'Empregabilidade de Pessoas Trans Cozinha & Voz', Beatriz Rampim conta que os alunos saem do curso com novas perspectivas não só de trabalho, mas de vida. "A autoestima melhora muito. Eles passam a acreditar que têm possibilidades reais de entrar no mercado de trabalho formal, com carteira assinada", diz Beatriz.

Além da capacitação na cozinha, o curso também contempla aulas de poesia, com as atrizes Elisa Lucinda e Geovana Pires.

COZINHA NA FAVELA

Um projeto semelhante está sendo estruturado no Complexo da Maré pelo Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, que fica na comunidade da Nova Holanda. No momento, a instituição busca financiamento para construir uma 'cozinha trans' na região. "As políticas públicas de empregabilidade não chegam à população trans das comunidades. E a falta de oportunidades é mais uma agressão que a gente sofre. Temos quatro chefs de cozinha na Maré que são travestis. Elas comandarão o projeto, que vai seguir o mote 'nós por nós mesmas'", antecipa Gilmara Cunha, diretora geral do Grupo Conexão G.

Com a cozinha implantada, a proposta, segundo Gilmara Cunha, é que o projeto possa ser um caminho para o empreendedorismo. "A ideia inicial é vendermos o que vamos produzir em eventos de empresas parceiras. Essa atuação vai mostrar a forma correta de enxergarmos a travesti, para além do imaginário erótico, ligado ao fetiche", diz.

O Grupo G está com edital aberto para jovens que irão atuar na prevenção de DSTs na Maré. Os candidatos selecionados receberão bolsa-auxílio.

Você pode gostar
Comentários