Por pedro.logato

Rio - Um celular pré-pago e o CD do Soweto foram as aquisições de Fabi quando ela ganhou o primeiro salário jogando no time do Macaé, em 1998/99. Foi no Norte Fluminense que ela teve sua primeira chance numa equipe adulta de vôlei, graças à posição de líbero que acabara de surgir. Agora, ao iniciar sua 20ª temporada como profissional, com muitos outros ‘presentes’ na bagagem que o esporte lhe deu, Fabi recorda os percalços e glórias de uma trajetória consagrada como atleta e segue curtindo seu tempo nas quadras a serviço do Sesc RJ, que estreia nesta terça-feira, às 21h30, na Superliga, diante do Sesi, em Santo André (SP).

“Fui para Macaé morar numa casa com outras meninas. Foi muito legal o processo de sair de casa, me virar sozinha. Aí caiu a ficha que eu estava ganhando o primeiro salário. Eu me lembro que eram 500 reais. Era apaixonada por CD. Comprei um do Soweto e um celular, tudo dividido. Um celular de crédito, aqueles modelos tijolões. Era uma forma também de me comunicar com os meus pais porque a gente usava muito orelhão”, lembra Fabi, hoje com 37 anos.

A líbero Fabi%2C aos 37 anos%2C está disputando a 13ª Superliga pelo Sesc RJ%2C comandado pelo técnico BernardinhoMaíra Coelho / Agência O Dia

Ela havia começado a carreira na base do Flamengo como atacante até que surgiu o convite para jogar em Macaé no ano em que a posição de líbero foi criada. “Uma palavra que resume tudo é superação. Tudo começou com uma menina que saiu de Irajá e jogava vôlei para não estar ali fazendo coisa errada. Eu falava para a minha mãe: ‘O dia em que a senhora não me vir na quadra aí pode ficar preocupada’. Comecei a jogar campeonatos, alguém me viu, fui para o Flamengo e minha mãe deixou muito mais para ocupar o meu dia. Tudo começou de uma forma muito social. Aí um camarada inventou uma posição de líbero e eu pensei: ‘É a minha chance da vida’. A oportunidade com a superação resume tudo isso”, analisa.

Depois do Macaé, vieram chances como profissional no Flamengo, Vasco e Campos até seguir para o Sesc RJ (antigo Rexona), onde está até hoje. “Tive alguns momentos marcantes. Em 1999, a Isabel montou um time no Flamengo e eu fui com ela. Na temporada 2000/2001, fui para o Vasco também com a Isabel, mas ela me disse que eu não seria a líbero titular. Voltei a ser reserva. Apesar de entender que aquilo também foi muito importante, eu pensava: ‘Será que vai dar?’. Havia também as dúvidas da questão de estudar, a gente não sabia se eu seria jogadora de vôlei”, conta.

Outro momento difícil veio na seleção brasileira: “O primeiro treinador a me dar uma chance na Seleção foi o Marco Aurélio Motta. Em 2003, eu fui cortada e sabia que significava a não ida para Atenas (2004). Foi muito complicado. A primeira grande frustração de viver um sonho numa Olimpíada foi bem difícil. Eu fiquei muito depressiva. Foi um ano de muito aprendizado, de ficar triste, de emagrecer, achar que as coisas não iriam dar certo.”

Fabi completa 20 anos de carreiraMaíra Coelho / Agência O Dia

Mas os dias de glória em Olimpíadas estavam reservados para a pequena gigante de 1,69m. Vieram os Jogos de Pequim (2008) e Londres (2012) e... dois ouros. “Em 2008, a gente tinha uma missão: ser campeã olímpica ou colocar mais um tijolinho naquela saga que era de que o feminino não chegava, que na hora do vamos ver amarelava. A gente ganhou de todo mundo naquela Olimpíada, ganhou da Rússia, chegou à semifinal contra China, foi para a final e comemoramos como loucas. Mas, ao mesmo tempo em que a gente estava feliz, sabia que se não ganhássemos a final não adiantaria nada. A gente teria uma medalha inédita, que seria a prata, mas isso na cabeça das pessoas não mudaria nada”, analisa.

Quatro anos depois, em Londres, veio outro ouro, numa campanha muito irregular, quando o Brasil viu a eliminação de perto: “Em 2012, foi uma história que dá para colocar num livro. Depois eu pude ver que isso acontece muito mais do que a gente imagina, que é aquela coisa de quase ir embora, ressurgir das cinzas e se fortalecer com isso. Acontece muito no esporte, você tirar forças num momento muito difícil”.

Fabi costuma dizer que não fará de forma antecipada o anúncio de sua aposentadoria. “Traz um peso muito grande para você mesmo. Sei que está acabando. Estou com 37 anos. O dia em que acabar vou sentir muita saudade”, admite ela, que tem trabalhado como comentarista na TV: “Tem sido algo muito legal. Tenho feito palestras. Também gostaria de fazer alguma coisa com crianças. Técnica acho que não, mas muita gente tem dito que não tem muita mulher no esporte. Não sei porque a rotina é a mesma”.

Planos para a vida pessoal também são feitos: “Espero que nos próximos anos venham filhos, venha família. Eu tenho dois sobrinhos, babo muito neles e eles devem estar loucos para que eu me torne mãe logo porque não devem estar mais me aguentando.”

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