Rio - Na última semana, a menina que conquistou o coração de todas as torcidas no futebol brasileiro sentiu o gostinho do estrelato. Na escola, nas ruas ou no condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, não havia quem não quisesse falar, tirar foto ou simplesmente fazer um carinho em Giulia. Tão doce quanto carismática, a filha do atacante botafoguense Roger, que é cega, aflorou nos pais um sonho antigo: criar um instituto que leve seu nome e lute contra o preconceito e o descaso com os deficientes visuais no país.
Até mesmo as coleguinhas que a evitavam na escola, por causa de sua deficiência, se renderam ao sucesso de Giulia. “Te vi na TV, tá famosa, hein? Virou celebridade. Mas antes era tô nem aí”, revela Giulia, que encantou o Brasil em uma reportagem da Rede Globo ao conseguiu sentir o golaço do pai, no jogo contra o Sport, em uma gravura em 3D.
Mas o sucesso recente e os mais de quatro mil seguidores no Instagram não iludem a menina, que sonha em se tornar uma cantora famosa, como as estrelas Katy Perry e Ariana Grande.
Centrada, apesar de ter apenas 11 anos, Giulia aprendeu cedo o significado mais doloroso da palavra bullying. “No primeiro ano era todo o dia. Olha, ela é cega, cega, cega! A escola toda já sabia. Eu era pequena e só pedia que parassem. Um dia não aguentei e pedi ajuda a meus pais”, lembra sem nenhuma autopiedade. A história não se repetiu no dia seguinte, mas a persegue, de forma clara ou velada, simplesmente porque nasceu com displasia septo-óptica, que lhe privou da visão.
Hoje, a menina curiosa, que ama História e Inglês, se defende melhor, ainda sofre com o despreparo de professores e instituições, mas não abre mão de ser feliz. Seja em seu quartinho delicadamente decorado em cor de rosa e cheio de bonecas — onde compartilha com as amiguinhas Magali, Verônica, Emília e o ursinho Buba, os segredos de menina moça —, seja nas aulas de canto, onde solta a voz sonhando em se tornar estrela. Ou até mesmo no Nilton Santos, onde foi ovacionada pelos torcedores do Botafogo, ao entrar em campo com o pai, Roger, antes do jogo contra o Avaí, pelo Brasileiro. “Fiquei emocionada, quase chorei”, revela.
Já o pai é só gratidão. “A torcida do Botafogo me deu algo que dificilmente vou ter no futebol. Foi a grande imagem pessoal da minha carreira, maior até que um título”, diz, emocionado. Sensibilizado com a repercussão da história da filha, Roger e a mulher, Elizabeth, querem realizar um sonho antigo. Criar uma fundação para crianças com deficiência visual, que leve o nome da filha. “Ano passado, a gente chegou a procurar um lugar para iniciar um projeto em Campinas. Mas precisamos de ajuda. Se conseguirmos, dou quatro ou cinco anos para a fundação ser referência no Brasil”, aposta.
DESCASO E PRECONCEITO
Duas histórias rápidas ilustram o motivo para o casal se engajar em causa tão complexa e sofrida.“Quando viemos morar aqui, liguei para 12 escolas no Rio e já estava chorando, pois não conseguia matricular a Giulia em nenhuma. Só duas foram abertas. A maioria dizia que não estava preparada para lidar com a deficiência dela”, conta Elizabeth. Em outra passagem, uma festinha organizada pela escola para os pais, a filha foi praticamente descartada.
“A Giulia convidou a avó e o primo, que vieram de longe para vê-la cantar, mas a música foi cortada da programação. Ela foi a última ser chamada para recitar uma poesia no palco e depois de ser muito aplaudida, foi esquecida atrás da cortina, na hora em que todos os amiguinhos, de mãos dadas, recebiam os aplausos dos pais”, revela, indignada, Elizabeth, que perguntou à professora por que havia feito isso com a filha.
Assim como a mulher, Roger só pensa em ajudar as crianças que não têm a vida da filha. “Gasto, no mínimo, mais de seis mil reais com professoras particulares de matemática, português e geografia, natação e canto. E se ela não fosse filha de jogador de futebol, mas de um motorista de ambulância, como era o meu pai, que futuro teria?”, questiona Roger.