O parecer do TCE-RJFotomontagem/Rede internet

Guapimirim – A Câmara de Vereadores de Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, não vota há quase nove meses a prestação de contas de 2019 do ex-prefeito Jocelito Pereira de Oliveira, popularmente conhecido como Zelito Tringuelê.
O relatório está disponível para votação pelo legislativo municipal desde o dia 17 de dezembro de 2020, quando o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) enviou um ofício ao então presidente da Câmara Municipal, vereador Halter Pitter dos Santos, para informar o “parecer prévio contrário” e que “não há óbices ao julgamento destas contas de governo pelo Poder Legislativo”. Na próxima sexta-feira (17), fará nove meses.
As contas de 2019 de Tringuelê foram reprovadas pela corte tributária durante sessão telepresencial no dia 16 de dezembro de 2020. Na ocasião, os parlamentares guapimirienses haviam entrado em recesso. A data da última sessão legislativa aconteceu no dia 14, dois dias antes.
Dos nove vereadores eleitos em 2020, quatro são calouros e os demais cinco, remanescentes da legislatura anterior. Eles tomaram posse no dia 1º de janeiro de 2021 e deram início às atividades em fevereiro, há sete meses, com o término do recesso parlamentar.
Após ser questionado por O Dia sobre a delonga, nesta terça-feira (14), o presidente da Câmara Municipal de Guapimirim, vereador Josinei Lopes, o Nei da Cesta Básica, informou que as contas deverão ser votadas às 10h da próxima terça-feira (21). A reportagem continua acompanhando o caso e noticiará a decisão dos parlamentares.
No estado do Rio de Janeiro não existe nenhuma legislação estabelecendo prazo para votar as contas de prefeitos e ex-prefeitos após o parecer do tribunal. Em tese, eles poderiam votar as contas daqui a dois ou três anos sem sofrer qualquer tipo de sanção.
O Dia contatou o Ministério Público Especial (MPE) – vinculado ao TCE-RJ – sobre a questão. Foi dito que não há legislação no estado do Rio de Janeiro nem qualquer tipo de imposição por essa corte tributária a respeito de prazos. O órgão alertou para a necessidade de senso ético por parte dos parlamentares para que não deixem acumular as prestações de contas. Se as contas de 2019 foram entregues para apreciação em 2020 na corte, não se deve esperar até o fim de 2021 para serem votadas na câmara, tendo em vista que em breve será preciso votar também as contas do exercício fiscal de 2020, e por aí vai...
A questão é, no mínimo, curiosa, tendo em vista que prefeitos e governadores têm prazos para enviar as prestações de contas aos tribunais de contas, e estes, por sua vez, também têm prazos para analisá-las e emitir recomendações ao Poder Legislativo.
É diferente, por exemplo, de estados como São Paulo e Bahia, cujas legislações determinam que as câmaras municipais e assembleias legislativas têm até 60 dias para votar as contas de gestores e ex-gestores a partir do recebimento do parecer da corte tributária. Se nesse meio tempo não houver votação, então prevalece o posicionamento dos tribunais de contas.
A Câmara de Vereadores Guapimirim não é obrigada a seguir o parecer do tribunal de contas. O parágrafo 2º do artigo 31 da Constituição Federal, o parágrafo 2º do artigo 124 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a Deliberação nº 285/2018, do TCE-RJ, determinam que o posicionamento da corte tributária só poderia ser anulado por maioria de dois terços dos parlamentares.
Em 28 de abril de 2020, a Câmara Municipal colocou um aviso no site, informando que a prestação de contas de 2019 estaria disponível até 14 de dezembro de 2020, “devido ao impacto sofrido em virtude da Covid-19, que ocasionou o isolamento social sem previsão de normalidade”.
Algumas irregularidades e impropriedades nas contas de Zelito Tringuelê
Dos 92 municípios fluminenses, o TCE-RJ tem sob sua jurisdição 91, com exceção da Prefeitura do Rio de Janeiro, cujas contas são analisadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
Entre as justificativas apresentadas para o parecer contrário à aprovação das contas, o conselheiro-relator Rodrigo Melo do Nascimento, do TCE-RJ, apontou que o governo de Jocelito Pereira de Oliveira aplicou na educação apenas 21,95% da receita arrecadada. A prática é considerada uma “irregularidade”, por violar o artigo 212 da Constituição Federal, que determina investimento mínimo de 25% por parte dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Um ato é considerado “irregularidade” quando é provocado por dolo ou má-fé e que resulte em perda ao erário, decorrente de ato de gestão ilegal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial.
Em 2019, o governo Tringuelê aplicou invertidamente os recursos recebidos de 2018 com os royalties do petróleo. Deveria ter aplicado 75% em educação e 25% em saúde. A prática foi considerada uma “impropriedade” pelo TCE-RJ, que alegou descumprimento do inciso 3º do artigo 2º da Lei nº 12.858/2013, que trata da destinação do recursos oriundos de compensação financeira por exploração de petróleo e gás natural. A corte de contas determinou que os investimentos corretos com os recursos de 2018 fossem corrigidos em 2020.
Um ato é considerado “impropriedade”, quando não resulta em perda aos cofres públicos durante a inobservância ou descumprimento de princípios da administração pública.
Entre 2018 e 2019, o governo do ex-prefeito Zelito Tringuelê também descumpriu com a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao exceder o teto de 54% da arrecadação com despesas de pessoal. A média para 2019 foi de 55,05%. Ao analisar as contas de 2018, o TCE-RJ classificou o episódio como “impropriedade” e recomendou o equilíbrio fiscal nesse segmento, algo que não foi cumprido.
No início de 2019, a arrecadação prevista pela Prefeitura de Guapimirim era de R$ 164,1 milhões, tendo sido atualizada em mais R$ 25,5 milhões com a adição de créditos suplementares, totalizando R$ 189,6 milhões. As despesas foram de R$ 195,7 milhões. Os cálculos mostram um aparente déficit de R$ 6,02 milhões, ou seja, um desequilíbrio entre receita e despesa. Com a abertura de créditos adicionais, o montante final no orçamento do Executivo municipal foi de R$ 206,9 milhões, pelo fato de ter havido excesso de arrecadação.
Com esses créditos extras, o governo Tringuelê buscou escapar de infrações previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe que chefes do Poder Executivo gastem mais do que arrecadam.
As receitas são oriundas de impostos municipais como IPTU e ISS, royalties, emendas parlamentares e recursos federais e/ou estaduais.
O parecer do TCE-RJ tem 98 páginas. A reportagem optou divulgar apenas alguns pontos mais importantes.
O governo Tringuelê e os gastos
As cifras citadas na prestação de contas contradizem os discursos de Zelito Tringuelê de que sua administração sofreu com baixa arrecadação. Inclusive, usou tal argumento para justificar a redução em até 50% no salário de parte do funcionalismo em 2020.
A suposta baixa arrecadação não foi impedimento para que Tringuelê esbanjasse dinheiro público com festanças ao longo de 2019, tais como: carnaval, cavalgadas, Baile da Melhor Idade, aniversário da cidade, natal e queima de fogos no réveillon de 2019 para 2020. O destaque é para os três últimos festejos, que ocorreram entre novembro e dezembro. O salário de dezembro de 2019, trabalhado, só foi pago na terceira semana de janeiro de 2020, com atraso, por falta de caixa.
De 2017 a 2020, ao longo de quatro anos, Tringuelê gastou mais de R$ 600 milhões sem nunca ter construído uma escola, creche, hospital ou sequer ter feito um viaduto, por exemplo. A arrecadação média era de R$ 170 milhões por ano, valor similar ao de seu antecessor Marcos Aurélio Dias, que governou a cidade entre 2013 e 2016.
Apesar da arrecadação significativa, o agora ex-prefeito Zelito Tringuelê deixou débitos estimado em R$ 80 milhões para sua sucessora Marina Rocha, segundo a própria durante uma “live” no início de seu governo. Tringuelê deixou dívidas com a Enel, concessionária de energia elétrica, e com a Limppar, empresa que fazia a coleta de lixo, entre outras empresas.
Um relatório da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), de 2019, classificou Guapimirim como o pior município em gestão fiscal entre as 79 cidades fluminenses avaliadas.
O governo Tringuelê foi marcado por festas, nepotismo e suspeitas de corrupção. As denúncias foram feitas há dois anos por alguns munícipes e estão na Delegacia Fazendária da Polícia Civil e também no Grupo de Atribuição Originária Criminosa da Procuradoria-Geral de Justiça (Gaocrim), vinculado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Os dois órgãos receberam um relatório produzido pela Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil sobre as investigações.
Guapimirim é um município com mais de 70% de seu território em áreas de proteção ambiental (APAs), ou seja, são intocáveis. Bastaria que Zelito Tringuelê tivesse investido em pouco mais de 20% do território guapimiriense, ou seja, que podem sofrer intervenções urbanas.