Intuito é chamar a atenção para um período da história da cidade e manter viva a memória dos anônimos escravizados que a construíram
Intuito é chamar a atenção para um período da história da cidade e manter viva a memória dos anônimos escravizados que a construíramFoto Douglas Macedo
Por O Dia
Niterói -  A remoção de 52 metros cúbicos de terra, que se acumularam por décadas, revelou uma verdadeira joia do patrimônio histórico dentro do Parque Natural Municipal de Niterói (Parnit): a Ponte de Pedra, construída por africanos escravizados, localizada na Trilha Colonial, que também foi passagem de indígenas e mercadores no período colonial. O trabalho de escavação foi realizado durante quatro meses, de forma independente, por um grupo de cinco voluntários que atuam no parque. Para reconhecer o trabalho que os voluntários realizaram, devolvendo para a cidade um pedaço importante da sua história, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade (SMARHS) irá instalar uma placa para marcar a ação de resgate do monumento.
A placa, além de marcar um dos eventos da Semana do Meio Ambiente, pretende chamar a atenção para um período da história da cidade e manter viva a memória dos anônimos escravizados que a construíram, valorizando o legado que deixaram para a história do município. No dia 5 de junho, também será lançado um vídeo sobre a trilha e a ponte apresentando oficialmente o local para moradores da cidade.
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“Com a entrega desse patrimônio para os niteroienses, nosso objetivo será unir esforços para aprofundar o estudo sobre o passado daquela região. É importante atuarmos para integrar o olhar ambiental ao histórico”, explica o secretário Rafael Robertson.
A pesquisa mostra que o local remonta ao cotidiano da região entre a Serra da Barra de Piratininga, de um lado, e o Morro da Viração do outro, onde ocorria a ligação entre as antigas freguesias rurais de Nossa Senhora de Bonsucesso de Piratininga e de São Sebastião de Itaipu, com as demais freguesias do Recôncavo da Guanabara até o final do século XIX. Revela mais um recanto bucólico da cidade que tem que ser preservado.
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Até dezembro de 2020, somente uma pequena área da Ponte de Pedra era visível. Com o monumento revelado pelos voluntários, andar pela Trilha Colonial deixa de ser apenas uma possibilidade de contato com a natureza. É também uma verdadeira viagem no tempo que se confunde com a história do Brasil, pelo caminho que era usado para o escoamento da cana de açúcar e do café que saíam das fazendas situadas onde hoje fica a Região Oceânica de Niterói em direção ao Porto do Rio. As mercadorias eram levadas em carros de boi ou carregadas por escravos.
Profundo conhecedor das trilhas da cidade, o gerente de vendas aposentado e montanhista Ezequiel Vicente Gongora, o Ziki, 73 anos, foi quem teve a ideia de fazer a escavação de toda a Ponte de Pedra. Ao lado de quatro amigos, também voluntários, removeram a terra e o mato que encobriam a edificação e revitalizaram todo o seu entorno e o mirante de pedras naturais que descortina uma bela vista da Lagoa de Piratininga. Após os 30 minutos de caminhada na trilha, chega-se a uma espécie de oásis no meio da mata.
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O doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor Henrique Barahona, se juntou ao grupo de voluntários para contar essa história. Ele explica que a Ponte de Pedra e o caminho que leva até ela têm vocação para integrar o conjunto do Patrimônio Histórico de Niterói.
“Essas artérias conectavam as aldeias e acampamentos dos dois lados do maciço, a mais próxima em São Francisco, quando ali chegaram os primeiros colonizadores portugueses para a montagem dos seus engenhos de açúcar, com destaque para o Engenho da Piratininga, ainda no início do século XVII. Da Ponte de Pedra ainda é possível ver a igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso, num outeiro que ficava outrora às margens da lagoa homônima, compondo a paisagem cultural do lugar e que ainda está preservada”, disse.
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Henrique conta que, por aquelas estradas, passaram primeiro os indígenas, depois os africanos escravizados, que construíram a Ponte de Pedra, e os mercadores.
“As estradas eram necessárias para romper a íngreme Serra da Barra de Piratininga, até descerem pela Viração e chegarem às águas calmas da Baía de Guanabara, e vice-versa. Pelo trajeto, grotas e córregos precisavam ser vencidos para que o gado e os carros com o açúcar e depois o café pudessem trafegar com mais rapidez e segurança. Por isso, a construção da Ponte de Pedra sobre um regato que brota ao lado, onde ela está desde pelo menos a década de 1830, e também a pavimentação de pedras encontradas em algumas partes da Trilha Colonial. Sem falar que aquele não era apenas um lugar de passagem, já que várias famílias moravam e cultivavam as terras na Serra da Barra, Imbuhy e Viração”, explica.
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Guardiões da Ponte de Pedra - O primeiro encontro de Ezequiel Vicente Gongora, o Ziki, com a Ponte de Pedra foi há quatro anos. Montanhista experiente e voluntário do meio ambiente desde a década de 1970, ele conhece com a palma da mão todas as trilhas de Niterói. No entanto, quando fazia a Trilha Colonial ficava intrigado com a edificação. Sabia que ela tinha muita história para contar.
“Até que um dia conversei com outros voluntários e decidimos que iríamos escavar e revelar toda a ponte. Em dezembro do ano passado, começamos a tirar toda a terra e o mato, num trabalho braçal que fazíamos duas vezes por semana”, explica.
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E foi assim que Ziki e os amigos Fábio José Uzeda, (51); Luciano Cunha (57); Lucas de Vargas Ribeiro (35); e José Francisco Marques (65) desenterraram a ponte e resolveram transformar o lugar num marco dentro do Parnit. Além da escavação, o grupo revitalizou o entorno da ponte: eles canalizaram a água do antigo rio que passava pelo local, fizeram canteiros com bromélias e abriram o mirante em cima das pedras, que antes tinha uma densa vegetação que encobria a vista da Lagoa de Piratininga.
O grupo também cuida da Trilha Colonial, mantendo o caminho acessível para qualquer pessoa, com a retirada de galhos, troncos e espécies invasoras, como a Zebrina ou “orelhinha de rato”. Na Ponte de Pedra, Ziki e os amigos fizeram um pequeno memorial em homenagem aos africanos escravizados que construíram a Ponte de Pedra.
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“Fizemos todo esse trabalho por amor à natureza e para que a população de Niterói conheça uma parte da história da cidade que ficou coberta de terra e mato por décadas”, afirma Ziki, que vai todos os dias ao local.
O encontro de Ziki com o professor Henrique Barahona foi uma feliz coincidência. O montanhista sabia que era importante a presença de um especialista para ajudar a contar a história da ponte. Já Barahona é apaixonado pela ocupação histórica e a dinâmica social daquela região e começou a pesquisar documentos antigos sobre o tema após conhecer a comunidade originária da Aldeia Imbuhy.
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“Eu fiquei sabendo sobre o trabalho do Ziki na Ponte de Pedra por um amigo em comum. Tem tudo a ver com a pesquisa que eu faço sobre a ocupação daquela região e para mim é um orgulho participar deste estudo e contribuir para revelar para os niteroienses uma parte importante da história da cidade”, afirma Barahona.
Como chegar – O acesso à Ponte de Pedra é feito pela Trilha Colonial, uma caminhada que dura 30 minutos e percorre 1,3 quilômetro. A trilha tem como referência o portão de entrada para o Parque da Cidade, sede do Parnit, localizado na Estrada Nossa Senhora de Lourdes, s/nº, em Charitas, Zona Sul de Niterói.
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A Colonial é uma trilha sinalizada considerada fácil, com poucas bifurcações e caminho bem definido.