Por marlos.mendes
RIO - “Isso é de verdade? Laudo de necropsia?", reagiu o médico e coronel reformado do Exército Hargreaves Figueiredo Rocha, 82 anos, ao ser confrontado nesta sexta-feira com o laudo da necropsia de Severino Viana Colou, militante político encontrado morto na Vila Militar, no Rio de Janeiro, em 1969. Rocha foi convocado para depor em audiência pública conjunta da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão da Verdade do Rio, na sede do Arquivo Nacional. Ele é apontado como perito no documento produzido dentro do Hospital Central do Exército (HCE), segundo o qual Severino cometeu suicídio enforcando-se com as próprias calças. Na época, presos denunciaram que ele morreu sob tortura.
O coronel reformado se apresentou sozinho e surpreendeu as comissões ao dizer que era pediatra e atuava apenas na enfermaria da clínica médica do HCE. “Nunca tomei conhecimento disso. Nunca trabalhei em necropsia. Não ia assinar laudo de necropsia. Esse documento é falso”, disse ao perito da CNV, Pedro Cunha. O oficial afirmou desconhecer as denúncias de tortura ou o contato com presos políticos.
Hargreaves Rocha%2C 82 anos%2C diz que não era legista%2C e sim pediatraDivulgação

Rocha fez carreira militar durante o período da ditadura. Como capitão, esteve lotado no Hospital do Exército entre 1966 e 1970. Depois foi promovido a major e transferido para o posto médico que funcionava em Itajubá, no sul de Minas Gerais, onde trabalhou até receber um convite para fazer o curso do Estado Maior das Forças Armadas, em 1976. “Fui convidado, nem fiz concurso”, contou. Após a conclusão, ele foi enviado a Brasília para a diretoria de Saúde e, dois anos depois, assumiu a direção da Escola de Saúde do Exército no Rio, onde ficou por um ano. “Fui número um do Almanaque do Exército durante muito tempo, mas não cheguei a general porque faltou um ano de comando”, explicou.

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Embora o nome de Hargreaves Figueiredo Rocha conste como um dos peritos, não há assinaturas dele no documento. O laudo, porém, traz rubricas na lateral que serão examinadas por peritos. Ele não descarta acionar na Justiça os responsáveis pelo laudo. Rocha foi o único dos três ex-agentes do regime a comparecer à convocação. Celso Lauria, capitão do Exército na época e encarregado de um inquérito policial militar (IPM) sobre o grupo VAR-Palmares, apresentou um atestado médico. O então sargento Euler Moreira justificou a ausência alegando que tinha uma viagem programada e paga.
TORTURA
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O primeiro a depor foi um dos ex-comandantes nacionais da VAR-Palmares Antônio Roberto Espinosa, preso junto com Maria Auxiliadora Lara Barcelos e Chael Charles Schreier. Chael morto sob tortura também na sede da Polícia do Exército, na Vila Militar, Zona Oeste, um dia depois da prisão do trio no bairro Lins de Vasconcelos. O capitão Celso Lauria, segundo Espinosa, foi um dos comandantes da tortura.
Espinosa contou que Chael teve o maxilar quebrado por uma coronhada e pode ter sido morto por uma pancada de fuzil no tórax. “Uma grande ferida roxa levantou na hora”, recorda. O ex-comandante da VAR-Palmares acusa um sargento conhecido como Mendonça pelo golpe. A morte sob tortura de Chael se tornou pública ainda em 1969 após a divulgação do atestado de óbito feito dentro do HCE.
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Espinosa contou ainda parte dos suplícios a que foi submetido: "Meu pênis chegou a ser amarrado a um arame, que era puxado por um militar que corria e eu tinha que seguir". Maria Auxiliadora, namorada de Espinosa na ocasião, foi submetida, especialmente, a violência de cunho sexual, com frequentes agressões verbais e xingamentos. Ela era mantida nua na cela, enquanto os militares ameaçavam cortar seus mamilos com uma tesoura. Ela estava entre os libertados em troca do embaixador suíço Giovanni Bucher, em 1971, e se suicidou sete anos mais tarde em Berlim, estava exilada.