Rio - Mesmo com a paralisação dos lixeiros sujando a fama de bom administrador, o prefeito Eduardo Paes não vê erros na negociação salarial com os garis e enxerga na radicalização do movimento dedos de empresários do lixo para privatizar a Comlurb. A desconfiança vem das informações colhidas nas ruas e na romaria, a seu gabinete, de executivos de olho na bolada de R$ 1,5 bilhão — orçamento anual da empresa de limpeza. “Não foram os garis que quebraram seis caminhões da Comlurb ou levaram um compactador para a Favela de Antares (Santa Cruz). Eles são do bem”, sustenta.
Paes listou Irajá, Ilha do Governador e Guaratiba como os bairros onde ocorrem mais ameaças aos que desejam ir às ruas trabalhar e, consequentemente, os com mais lixo à espera de coleta. O prefeito avisa que a proposta de R$ 874,79 ( R$ 1.224,70 com benefícios) é o máximo que o orçamento do município permite. Embora não ache justo o valor, diz que durante sua gestão os garis obtiveram 50% de ganho real. Para completar o desfile da sujeira, Paes faz esforços para encerrar bem o último final de semana do Carnaval com blocos na rua, e avisa à cidade: a coleta só estará normalizada de quatro a seis dias após o fim do que classifica como motim. “Em alguns bairros a situação está retornando ao normal, mas em outros ainda não. É sem previsão.”
ODIA: O que falta a ser negociado com os garis? Não está faltando diálogo por parte da prefeitura?
PAES: Eu tenho que lidar com a categoria que se faz representar por um sindicato. O sindicato aprovou uma pauta e trouxe para a gente. E essa pauta foi negociada à exaustão. Eu não estava aumentando o tíquete refeição. Não estava incluindo hora extra em 100%, queria fazer em 50%. Não estava dando reajuste em 9%, queria dar o IPCA (em torno de 5,6%). O sindicato veio negociando com o presidente da empresa até o momento que entrei na negociação e fechamos um acordo. É assim que se faz nesta relação. Mas a gente não tem uma greve na cidade. Temos um motim.
Por quê?
Greve é um instrumento do trabalhador, que apresenta a pauta ao patrão 72 horas antes de entrar em greve e, se for serviço essencial, tem que apontar o que vai continuar e o que vai parar. Isso é greve. E o que estamos vendo não é greve. Eu sempre negociei à exaustão com os garis, que foi a categoria do munícipio que eu mais dei ganho real nos últimos anos. Reajustamos o salário em 89%, o que representa um aumento de 50% de ganho real ao longo de cinco anos. Quando cheguei aqui a equiparação deles era com o salário mínimo e o pleito era o mínimo regional. Demos. Era o plano de cargos. Fizemos. Era ter tíquete no valor do da prefeitura, aumentamos e agora ultrapassamos. Era serem incluídos no plano de resultados, pois eram o único órgão da prefeitura que não havia sido incluído. E incluímos. Negociamos à exaustão. Fechamos um acordo altamente benéfico para a categoria, mas não tem 50% de aumento.
O senhor acha que falta compreensão?
Sim. Não estou lidando com o meu dinheiro, mas com o IPTU que as pessoas pagam. A Comlurb é o terceiro orçamento da prefeitura, depois da saúde e da educaçao, e saiu de um orçamento de R$ 700 milhões para um de R$ 1,5 bilhão, e basicamente com aumento de pessoal. Não dá para dar aumento de 50% agora.
Mas o senhor ainda está sendo acusado de não negociar com a classe.
E eu vou negociar com quem? Alguém sabe? Perguntem ao Nilson Bruno, Defensor-Geral do estado, que me ligou na quarta-feira perguntando se poderia intermediar a negociação. Ele ficou uma hora esperando virem 10 pessoas. Das 10, nove toparam o acordo, foram lá para fora discutir com a categoria não resolveram nada. Recebi um documento assinado por 9 dos 10 que haviam topado o acordo. Tenho que sentar à mesa e fechar um acordo. Se não fechar acordo, vai para dissídio e pode ter certeza que na frente do juiz ele vai dizer “o senhor pode aplicar o IPCA?”. Quem é que deu 9% de aumento? Quem mais deu 50% de aumento nos últimos cinco anos?
O senhor acha que é motivação política?
A imprensa tem dito isso, mas não é só política, é empresarial. Vocês sabem que o Rio é a única cidade grande que tem uma empresa pública de lixo. E está cheio de gente querendo meter a mão nesse R$ 1,5 bilhão. Essa turma que adora pesar uma toneladinha de lixo. O que eu tenho a dizer é que a Comlurb vai continuar pública até o último dia que eu estiver aqui. Não há hipótese de eu privatizar a companhia e fazer como São Paulo, lotear a cidade para empresas privadas.
Mas a motivação política é lícita?
Claro que é, mas tem que ser explicitada. Não tem legitimidade, não tem representatividade, disputou eleição no sindicato e perdeu. Eu sou político, sou do PMDB, não tem problema (de ser político), mas tem que deixar claro que não está falando em nome de uma categoria, mas de um partido. Ou pior, de interesse empresarial.
O senhor tem informações sobre que interesses seriam esses? Quem estaria por trás?
O que você tem de empresa interessada em entrar aqui no Rio é uma loucura. Desde que eu cheguei na prefeitura. Projetos maravilhosos dizendo “Por que continuar com servidor público?”, “Para que vai ter gari?”, “Terceirize isso”. A chance de isso acontecer é zero. O que me preocupa é que eles estão sendo usados. Não tem problema em querer ganhar 50% a mais, 100% a mais. O que não pode é servir de massa de manobra para interesses políticos e empresarias que querem acabar com eles.
Mas o salário não é baixo para um serviço considerado essencial?
A remuneração hoje é de R$ 1.224, mais quase R$ 500 de tíquete, plano de saúde, plano odontológico, acordo de resultado com 14º e 15º salário, mais 100% de hora extra, auxílio-creche e seguro de vida. Não sei quantas categorias similares aos garis na iniciativa privada ganham parecido com isso. Acho que o gari tem que ganhar mais? Queria que ganhasse três vezes isso, mas tenho que gerenciar de acordo com o imposto que as pessoas pagam. E tem um limite isso. A taxa de lixo cobrada pela Comlurb arrecadará em 2014, R$ 300 milhões. E a Comlurb custa R$ 1,5 bi.
E ainda assim, insistismos, o senhor leva fama de mau negociador. Por que essa fama, então?
Não sei. Vai ver que é alguma deficiência minha. Eu não tive uma greve no primeiro mandato. Aliás, tive uma paralisação da Comlurb por esse sindicato, que fez tudo direitinho, mandou 72 horas antes, mantiveram os serviços essenciais e foi resolvido na Justiça. Passei quatro anos aqui (na prefeitura) sem ter nenhuma greve.
Hoje há um ambiente político diferente. Você tem um grau de insanidade de alguns movimentos políticos que se utilizam desse momento agitado.
Essa paralisação não mostra um problema antigo da administração?
Pelo contrário, a Comlurb é muito bem avaliada. E não é por mérito nosso, é uma superempresa. Aqueles que acham que a gente vai privatizar a Comlurb, esqueçam. Não ponham suas patinhas de fora e nem suas representações, porque ela vai permanecer pública até o fim do meu governo.
O senhor não acha que deu mais prioridade ao lado empreendedor, pelos grandes eventos, e descuidou do lado síndico que o caracterizava? As praças e ruas estão sujas como nunca antes.
Não. Continuo fazendo aquilo que eu fiz, cuidando do dia a dia da cidade.
E aprendeu que não se deve jogar lixo no chão, senão dá multa (risos)?
Não joguei lixo no chão, joguei numa caçamba. Mas, na dúvida, a regra tem que valer para todo mundo. Se há alguma hipótese de eu estar jogando lixo no chão, tenho que ser multado. Eu posso errar também. Por acaso não joguei, mas poderia ter jogado, ter cometido um erro, não sou um super-homem. É preferível que eu dê exemplo, até porque vivo enchendo o saco dos outros com essas histórias. Na dúvida, eu joguei no chão, me multa e “vamos embora”.
E domingo a coleta de lixo vai estar normalizada?
Em hipótese alguma. Estamos enfrentando problemas em algumas áreas, como em Guaratiba, Ilha do Governador e Irajá. A maioria dos garis já voltou ao trabalho, mas ainda tem coação. Então, (o serviço) não está regularizado. Como a situação vai estar normalizada com fim de semana de bloco adoidado na rua? Acho que ainda demora de quatro a seis dias para normalizar tudo.