Rio - Elas ainda são minoria. Mas acabam de quebrar mais uma barreira, desta vez militar. Mais de dois séculos depois da sua criação, a instituição de ensino superior mais antiga do país, a Escola Naval, acaba de abrir suas portas para a primeira turma de mulheres do curso de formação de oficiais da Marinha do Brasil. Localizada na Ilha de Villegagnon, ao lado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio, a escola recebeu este ano 12 aspirantes femininas para o Corpo de Intendentes da instituição onde estudam 856 homens.
O concurso atraiu 3.355 candidatas de todo o país. Cada vaga foi disputada por 279 mulheres, com idade entre 18 e 23 anos, solteiras e sem filhos. Durante três semanas, elas foram levadas ao limite do esgotamento físico. “Ao contrário dos homens, elas se apoiaram e nenhuma abandonou o curso”, diz o comandante da EN, contra-almirante Antonio Carlos Soares Guerreiro.
Primeira aluna da turma, Thaís Affonso, de 22 anos, é um exemplo de força para as demais. “Foi um choque o treino físico e a convivência só com homens. Mas desistir jamais! Quero chegar a almirante”, planeja a moradora de Cabo Frio. Como ela, a carioca Juliana Braga, 18, superou as dificuldades para seguir o sonho de criança. “Minha avó me deu o uniforme do meu pai, na Aeronáutica, que ela guardou durante 30 anos. Quero dar esse orgulho a minha família”, se emociona. Vivendo em regime de internato, Jéssica Custódio, 20, sente falta dos familiares, no Ceará. “A saudade de casa é grande. Talvez só os veja em julho. Mas estou realizando um sonho”, conta.
As mulheres também precisam seguir código de posturas, que inclui cabelos curtos, maquiagem discreta e brincos menores que o lóbulo da orelha. Guerreiras, não deixam de lado a vaidade. Mesmo que tenham que levantar antes da alvorada, às 6h. “Acordo mais cedo para me maquiar. Nada exagerado, bem discreto. Afinal, refletimos a Marinha”, diz Thaís.
Para recebê-las, a Escola Naval precisou passar por adaptações, com novos alojamentos, banheiros e um setor com leito feminino na enfermaria. Até câmeras de vídeo e alarmes foram instalados nos corredores e nas entradas dos alojamentos para controlar os acessos.
Para Guerreiro, a presença feminina só tem a contribuir para a Marinha. “Elas têm uma capacidade de lidar com problemas, resistir à pressão de situações adversas”, reconhece o comandante, ciente de que essas bravas estão fazendo história e abrindo caminho para uma geração de mulheres ao mar.
Pioneira na saga feminina
Criada em 1782 em Lisboa, a Escola Naval veio para o Brasil em 1808, com a Corte Portuguesa, mas exclusivamente para homens. A Marinha foi a primeira das três forças militares no país a aceitar mulheres em suas fileiras, há 33 anos, com a criação do Corpo Auxiliar Feminino. Em 2012, a capitã-de-mar-e-guerra Dalva Maria Carvalho Mendes foi promovida ao posto de contra-almirante e se tornou a primeira mulher da história a ocupar um cargo de oficial-general das Forças Armadas.
Após a formatura, as aspirantes serão incorporadas ao Corpo de Intendentes, dando suporte nas áreas de economia, finanças e administração. As praças e oficiais estão presentes ainda nos corpos de Saúde (médicas, enfermeiras), Engenheiros, Auxiliar (psicólogas, advogadas), de Fuzileiros (apenas como musicistas) e da Armada.