Por bianca.lobianco

Rio - Rodrigo dos Reis Príncipe, 30 anos, carrega a nobreza no nome. Há sete anos como gari, acostumou-se a viver no anonimato recolhendo os restos dos cariocas. Ontem, porém, foi tratado como celebridade. Por onde passou recolhendo lixo, foi parabenizado e aplaudido.

No primeiro dia útil após o fim da greve de oito dias, que deixou a cidade entulhada de sujeira em pleno Carnaval, milhares de funcionários da Comlurb retornaram ao trabalho, estampando no rosto o orgulho da profissão e saboreando o gostinho da vitória — que elevou o salário-base de R$ 802,57 para R$ 1.100 e mostrou a força de uma categoria formada por uma tropa de 15 mil homens.

Nas graças do povo%3A Maria de Lourdes cumprimenta o gari João Moreira. Francisco se sentiu valorizado%3A ‘O morador comprou nossa briga’Uanderson Fernandes / Agência O Dia

Com a força da campanha, os garis já se mobilizam para criar um sindicato próprio que atenda uma categoria cuja profissão chegou a gerar no passado filas quilométricas para inscrição no concurso — que atraiu até profissionais de nível superior. “A atual diretoria não nos representa. Eles tentaram suspender a greve. O sindicato não ficou do nosso lado. O apoio veio da população, que tem carinho pelo gari”, diz Célio Viana, um dos líderes da greve.

Morador da Tijuca, Thiago Gil considerou o aumento justo e merecido. “Dinheiro não falta para o governo, o que falta é gastar bem os impostos que pagamos”, disse. Para a aposentada Fátima America de Farias, 62 anos, os garis são um símbolo do Rio. “Para fazer Copa, Olimpíadas, a prefeitura tem dinheiro. E então como não tem para dar um salário digno para um trabalhador tão importante?”, questionou.

A repercussão nas ruas surpreendeu o gari João Moreira, 51 anos. “Estou me sentindo valorizado. Só hoje mais de 30 pessoas falaram comigo. Eles dizem que a gente merecia até mais”, se emocionou.

Além do reajuste e do adicional de 40% de insalubridade, que aumentará o salário para R$ 1.540, o tíquete-refeição subiu de R$ 12 para R$ 20. “Agora nos feriados e domingos a gente recebe 100% e tem folga. É uma conquista. A gente está feliz”, comemorou Francisco Carlos Fernandes, 60 anos. Segundo ele, se a categoria não tivesse aumento, já estava tudo combinado para cruzar os braços durante a Copa do Mundo. “A prefeitura sentiu a nossa força e o morador comprou nossa briga”, disse.

Líder foi paraquedista e mora em Vargem Grande

Um dos líderes do movimento grevista que parou a coleta de lixo no Rio foi militar antes de passar no concurso para gari. Morador de Vargem Grande, Célio Viana, 48 anos, foi paraquedista do Exército por quase dois anos, entre 1984 e 1986. Desde 2002 varrendo as ruas da cidade, Célio Gari, como se tornou conhecido, vê semelhanças entre o serviço militar e o trabalho dos profissionais de limpeza urbana. “Os dois exigem força física e muita disciplina para enfrentar batalhas diárias”, compara.

Ele sugere a incorporação de hábitos dos quartéis no dia a dia dos garis. “A empresa poderia fornecer um cantil para que o funcionário possa beber água durante o trabalho, como os soldados fazem”, propõe Célio, que em 2012 obteve 392 votos como candidato a vereador pelo PR.

Para as próximas eleições, diz não ter pretensões políticas.“Não foi uma luta partidária, foi por melhores condições de trabalho”, garante ele, que se diz surpreso pela mobilização da categoria. “Já fiquei desanimado com a profissão. Achava que nunca as pessoas iriam se conscientizar sobre a importância do nosso trabalho. Mas com toda a repercussão e o retorno das pessoas felizes ao trabalho, nos sentimos vitoriosos”, comemorou. Para ele, a profissão de gari pode ser comparada à de um agente de saúde. “Sou carioca. Não desejo ver o Rio sujo. Mas todos têm que fazer a sua parte.”

Uma tropa de 6.520 na rua

A Comlurb informou que só ontem foram recolhidas 11 mil toneladas de resíduos na cidade. Para dar conta das montanhas de detritos que tomaram as ruas do Rio, o serviço contou com uma força-tarefa formada por 6.520 garis com o apoio 673 veículos e equipamentos, como caminhões compactadores e carros-pipa. Na Zona Oeste, foram removidas 816,98 toneladas de resíduos, nos bairros de Bangu, Campo Grande e Realengo.

Segundo a Comlurb, serviços de rotina também foram retomados ontem, como coletas domiciliar e seletiva, além da limpeza escolar. Apenas a poda não está sendo realizada, porque parte do efetivo reforçou o serviço nos bairros.

Nas comunidades de Rio das Pedras e Cidade de Deus, a operação de limpeza conta com o apoio da secretaria de Conservação e Serviços Públicos, que disponibilizaram caminhões e pás mecânicas para acelerar a remoção dos resíduos. Mas ainda há pontos na cidade onde parece que a paralisação não terminou. Na Gardênia Azul, moradores reclamam da falta de caçamba para descarte do lixo que invade as ruas e impede a abertura do comércio por conta do mau cheiro.


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