Rio - Bastou o anúncio de que o território da Vila Kennedy, em Bangu, ficaria livre do domínio do tráfico para que moradores começassem a sonhar — e cobrar — melhores condições de vida. A partir de hoje, com a comunidade ocupada pela polícia, as autoridades já têm uma lista de outras reivindicações feitas por parte dos quase 23 mil habitantes da região. A retomada da comunidade para a implantação da 38ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) fez com que a rede municipal suspendesse as aulas hoje de 8.227 alunos.
Ontem à tarde, a fuga de suspeitos da favela provocou perseguição de agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) na Av. Brasil, na altura de Realengo. Quatro bandidos em um Corolla preto, armados com fuzis e pistola, abriram fogo contra os policiais. A quadrilha fugiu em outro carro roubado, abandonando o Corolla, onde foram apreendidas munição, carregador e celular.
Entre os pedidos mais urgentes em páginas sobre a Vila Kennedy nas redes sociais estão a regularização da coleta de lixo, que fica exposto nas ruas e provoca a proliferação de insetos e doenças. “A Comlurb recolhe quando quer, mas a gente não tem como evitar juntar lixo. Vou guardar lixo em casa? Pior: as moscas e baratas entram e a gente não sabe o que fazer”, reclamou a auxiliar de serviços gerais Estela Maria de Jesus.
Na Internet, alguns moradores também cobram a ausência de médicos na UPA local. Entre outros pedidos dos moradores estão o aumento do número de transportes públicos, principalmente ônibus, que atendam a região nos finais de semana. Para as crianças e adultos, melhorias e criação de áreas de lazer e entretenimento. Eles reclamam que o teatro está fechado e nas praças os brinquedos e aparelhos de ginástica para os idosos, por exemplo, não estão em boas condições.
Mas a segurança ainda é a principal preocupação da população. Tanto que, no Carnaval, a tradicional festa no coreto foi suspensa pela insegurança dos vários confrontos travados há meses entre traficantes pela disputa do território. Letícia Thomaz de Lima, de 25, guarda no corpo e na memória a marca da violência na Vila Kennedy. Ela estava entre os três moradores baleados em perseguição policial na favela, em junho de 2011. Ela ainda tem a bala alojada na barriga. “Só lembro de ter caído e pedido para alguém tirar a minha filha, de 10 meses, dali”, lembra.
Depois de ter visto a morte de perto, Letícia convive com o medo. Deixou o emprego como promotora de vendas e disse ter ficado sete meses sem sair de casa. “Minha vida mudou. Tenho medo ser baleada de novo”, contou ela, que ainda encara com desconfiança a chegada da UPP. “Espero que a situação melhore.”
Escolas fecham as portas
As aulas de hoje das 17 unidades da rede municipal que ficam na Vila Kennedy e no entorno foram suspensas pela Secretaria de Educação. Segundo a prefeitura, todo o conteúdo será reposto em outra data, ainda não divulgada. A medida foi tomada para a segurança de alunos e funcionários das escolas e creches durante a operação policial.
Algumas mães aprovaram a iniciativa. “É mais seguro ficar em casa. Não sabemos o que pode acontecer. Me sinto mais tranquila sabendo que as crianças estarão comigo”, contou a dona de casa Kátia Rejane Dias de Oliveira, de 28 anos, que tem dois filhos em idade escolar.
Ontem, a Polícia Rodoviária Federal fez operação na Ponte Rio-Niterói para tentar capturar criminosos que fugiram da Vila Kennedy. A blitz foi depois do pedágio e causou grande congestionamento no sentido Niterói no fim da noite. A operação também visava a repressão a motoristas que dirigiam após ingerir bebidas alcoólicas. A maioria das ocorrências foi relativa a condutores com documentação irregular.